15.2.04

O regresso ao Mediterrâneo

Portugal não é mediterrânico. Não tenho queda para gaffes principescas. Não caio na simplificação da identidade cultural deste cantinho. Mas, se bebemos naquelas águas, isso não há dúvida. Na música - como bem diz o Diogo - também bebemos no Atlântico celta - das costas galegas às bretãs, das asturianas e bascas às irlandesas.

Por exemplo, Carlos Nuñez, galego de gaita, foi à Bretanha cozinhar um álbum fantástico. Como antes já tinha aportado na costa andaluza e, de outra vez, passado o rochedo de Perejil para dialogar com a música de Marrocos. E desculpem mais esta: Nuñez também já tinha "gaitado" com os irlandeses Chieftains pelos caminhos de «Santiago» (onde se ouve «Não vás ao mar, toino, que o mar está bravo»)...

É este cruzamento, melhor, esta capacidade de cruzar influências, linguagens e culturas que admiro nos povos mediterrânicos e naqueles que "jogam" entre cá e lá. Entre o Atlântico e o Mediterrâneo.

Por isso, prefiro ultrapassar a discussão sobre «a influência mediterrânica em Portugal capaz de rivalizar com o poderio da influência atlântica». É como o debate estéril entre a vocação atlântica ou a atenção à Europa, que se faz na política. Portugal podia ser uma jangada de pedra entre estes mundos, que aqui se cruzam - das correntes quentes mediterrânicas, das águas frias atlânticas e do vento ibérico. Como escreve Matvejevitch, no texto aqui trazido pelo Diogo: «Na realidade, a península Ibérica é mais um continente que uma península: prolongamento ou extremidade da Europa, ambas as coisas ao mesmo tempo. As suas terras do interior não são mediterrânicas, nem as suas costas o são de modo igual».

Dão-se alvíssaras por este desafio, isso sim.