Sou insuspeito de gostar muito de Vasco Pulido Valente e José Manuel Fernandes. Mas hoje não resisto a assinar (quase) por baixo os seus textos. Reproduzo na íntegra (ou quase) os seus dois textos. E remato com uma terceira citação, de João Bénard da Costa (deste eu gosto muito e recomendo a leitura na edição impressa porque não tem "link" no Público online).
Vasco Pulido Valente: «Um regresso»
«O CDS não existe no Governo e deixou de existir fora dele. Barroso meteu Portas num beco sem saída. Ninguém toma nota das façanhas que se fazem ou não fazem na Defesa, a não ser para chorar - um tanto irresponsavelmente - o dinheiro que lá se gasta. O ministro da Justiça tem pouco poder e Celeste Cardona não conseguiu sair da mediocridade habitual. Quanto a Bagão Félix, é um senhor sério, um avô respeitável, um pilar da Igreja, que na prática conserva toda a sua independência e não se confunde com o partido a que pela forma aderiu. Ao contrário do que os seus críticos proclamam, a acção do CDS não foi até agora nem de extrema-direita, nem à direita da ortodoxia de Barroso: foi politicamente nula. Para agravar as coisas, cá fora, Paulo Portas perdeu a televisão: Telmo Correia e Pires de Lima não são o ideal do «comunicador»; a Lobo Xavier falta o compromisso e o zelo; e ele próprio, assoprando a sua imagem de estadista, se impediu de entrar no corpo-a-corpo de que, no fim, tudo depende. Não admira que o CDS, sempre um objecto gasoso, esteja em perigo de se esfumar. Paulo Portas precisa de «causas» ou, no mínimo, de «escândalos». Precisa principalmente de «inimigos». Por azar dele, a sombra do PSD não lhe permite tirar grandes lucros da imigração ou da «Europa» e no resto nada, ou quase nada, o distingue. O regresso ao passado - à guerra colonial e à descolonização - serve pelo menos para encher o vazio. Para fingir um princípio e uma originalidade. Hoje, absurdamente, o CDS transformou Soares no seu adversário por excelência e falsifica sem vergonha a história para o combater. Não lhe ocorre que, de caminho, confirma o pior sobre a sua natureza e se afunda numa total irrelevância. Anda por aí, mas com trinta anos de atraso. E cheio de queixinhas.» [sublinhado nosso]
José Manuel Fernandes: «Insultos Cruzados»
«"Sempre reconheci os acertos e os desacertos da colonização portuguesa. Conheço bem a gesta heróica dos portugueses em África - os seus feitos, realizações, lacunas, insuficiências. Nunca condenei a colonização portuguesa em bloco. O Liberalismo e a I República deram passos importantes e positivos. Condenei, sim, o colonialismo de Salazar e Caetano, (....) sobretudo após a II Guerra Mundial".
Esta frase - a meu ver infeliz, sobretudo porque o colonialismo português não era melhor no século XIX e início do século XX do que foi no período salazarista - não foi dita por ninguém de extrema-direita interessado em reescrever a história: foi proferida por Mário Soares na sua entrevista autobiográfica a Maria João Avillez (volume 1, pág. 301). Mais adiante (pág. 318), o próprio acrescenta, a propósito da descolonização: "O que aconteceu é que eu cavalguei a questão africana e comecei a correr à desfilada para ser eu a resolvê-la: na convicção de que poderia solucioná-la melhor do que os outros ou, pelo menos, com menos estragos para o país. Não foi o caso, infelizmente. Reconheço-o".
Cito estas duas frases de Mário Soares apenas para mostrar como é escorregadia uma discussão em torno da descolonização. E como é despropositado usá-la hoje como arma de arremesso entre a esquerda e a direita. No entanto foi isso que se passou ontem na Assembleia após uma escalada de troca de insultos entre o CDS/PP, de um lado, e Soares e o Bloco de Esquerda, do outro.
É difícil recordar o momento exacto em que a discussão descarrilou, pois as culpas são muitas e repartidas. Foi Soares que atacou primeiro, quando chamou "tumor" a Paulo Portas? Ou foi este, quando tratou de forma malcriada Maria Barroso, ao despedi-la da Cruz Vermelha? Tem razão Soares quando insiste na tecla da extrema-direita, ou tal classificação, que tem hoje contornos políticos precisos na Europa, não é identificável com o CDS/PP? E por muito que se possa dizer do comportamento de Mário Soares no processo de descolonização, é aceitável a acusação de "criminoso"? Como reagir quando um deputado - Francisco Louçã - utiliza um termo com a carga de "inimputável" para atacar um membro do Governo? Chamar-lhe também "inimputável" e ameaçar com o dislate de um processo judicial, como fez António Pires de Lima?
Tudo isto está para lá do razoável, mesmo considerando que no debate político é possível uma latitude de linguagem inaceitável noutras áreas. Tudo isto aproxima o nível desse debate daquele a que, desgraçadamente, nos habituámos no mundo do futebol. E tudo isto faz lembrar o pior que conhecemos de desbragamento verbal, ou seja, a forma de intervir de Alberto João Jardim. O que quer dizer que a boçalidade tende a substituir o argumento e o insulto pessoal o debate de ideias. [...]»
João Bénard da Costa: «Uma estrumeira em fermentação»
«Em momentos desres, entre vociferações várias (dentes que rangem de dor, dentes que rangem de raiva), há sempre alguém a dizer que, apesar de tudo, isto há 50 anos era bem pior e há 100 pioríssimo era. Nessas alturas, costumo ir buscar às estantes e a velha edição encadernada da "História de Portugal" de Pinheiro Chagas. [...] Para descobrir as diferenças.» Descubram-nas.