14.2.04
O voyeurismo da desgraça
copyright Jean-Marc Bouju,
homem iraquiano conforta o seu filho num centro de detenção para prisioneiros de guerra,
em Najaf, Iraque, 31 de Março de 2003.
Sobre o vencedor do World Press Photo deste ano, interroga-se Primo Galarza se «só as desgraças e os pobres e as guerras têm direito a prémio». E acrescenta: «Elas existem, estão lá, e os fotógrafos captam as imagens que, sim, são chocantes para o mundo ocidental ou ocidentalizado, que vê nestes reflexos o horror de um mundo. Mas um mundo distante.»
Mas, pergunto (como já lhe perguntei), e se este «mundo distante» nem assim nos chegasse? Continuávamos contentinhos da silva a ir de casa para o emprego, do andar de subúrbio para o balcão de repartição ou do condomínio de luxo para o open-space de account manager, e nada nos incomodaria. Uma redoma com direito a tanga, mas uma tanga só nossa.
Escreve ainda o Primo Galarza que não percebe se o «World Press Photo passou a ser uma extensão da Amnistia Internacional ou ou se jurados e fotógrafos se tornaram numa espécie de voyeuristas das desgraças, que sabem que os intelectuais de esquerda e direita, com erros de paralaxe, vão olhar para a foto de lógicas diferentes mas, no fundo, com o mesmo sentimento hedonista: ainda bem que isto é lá, não é cá». Tá bem. Mas insisto: é preciso atirar aos olhos de todos estas imagens, de quem insiste não ver que existe outro mundo - e que um mundo outro é possível.