26.1.04

Sobre a laicidade

O André Belo, no Barnabé, ao falar dos 30000 alunos de escolas portuguesas [que] vão copiar em conjunto a Bíblia à mão, disse esperar «sinceramente que seja uma medida laica, isto é, sem a participação do Estado nem de alunos e professores exteriores à opção de religião e moral» [sublinhado nosso]. Na caixa de comentários ao texto disse-lhe que a laicidade não era isto...

Para mim, a laicidade do Estado não se joga na ausência do Estado de iniciativas que partam da Igreja Católica - ou de outras igrejas e comunidades.

A laicidade do Estado joga-se na pluralidade de todas as religiões no espaço público (podemos discutir se é isso que acontece na prática, mas isso é outro ponto). Não me incomoda uma manifestação religiosa - cristã, muçulmana, judaica, ... - ter a "participação" «de alunos e professores exteriores à opção de religião e moral». Ou as religiões apenas são toleráveis metidas na sacristia ou enfiadas em sinagogas clandestinas?

É uso e costume de algum discurso da esquerda se insurgir contra o discurso da Igreja (assim se identificando a Igreja de Roma, o Vaticano) na moral sexual. Que devia ser outro o discurso do Papa. Concordo. Mas a seguir parece querer remeter-se as igrejas para o interior dos seus templos. Este sinal também é dado, sobretudo em espaços à direita, quando as questões são políticas. Por exemplo, no fórum de leitores do PortugalDiário, a propósito das declarações críticas do bispo católico Januário Torgal Ferreira, sobre a política de imigração deste Governo PSD-PP, houve comentadores que escreveram: "a igreja não se deve meter na política" (claro: se for contra este Governo; se for a favor, lá escreverão que "até os senhores bispos falam bem"). Noutros sítios, há quem reclame ainda por mais intervenção da Igreja Católica na área social, na denúncia de más políticas sociais (como as do católico Bagão, por exemplo)...

São dois ou três exemplos. A condição da laicidade também é a minha. Defendo a laicidade do Estado, mas esta não se deve basear no totalitarismo da "ausência" de sinais religiosos, como na Albânia de Enver Hoxa ou, salvas as devidas proporções, na França de Chirac, que se meteu (como bem sublinhaste) numa alhada com a "lei do véu"...

Por fim, remeto para um texto do Movimento Católico de Estudantes, redigido já em 1993: «O cristão não é "a alternativa a este mundo corrompido", a única possibilidade de salvação. Evangelizar a partir da cultura, discernir como viver a fé no diálogo reconhecedor da autonomia e da pluralidade da Cidade e das especificidades culturais, exige que os cristãos não se posicionem paralelos a nada, mas numa cidadania feita com outros [...]».