12.9.03

O fatídico 11 de Setembro

Depois do golpe de estado de Pinochet ter marcado o calendário de 1973 (não vi o documentário que a RTP anunciou, mas vi dois que o Canal História emitiu ontem) e do ataque terrorista da Al-Qaeda ter assinalado o de 2001, o dia 11 de Setembro de 2003 ficará marcado por outros dois factos tristes e de consequências imprevisí­veis.

O primeiro, anunciado logo de manhã, foi a morte de Anna Lindh. Não a conheci pessoalmente, mas tenho uma amiga que trabalhou muito próxima dela, no partido social-democrata sueco e que sempre se referia a ela com enorme entusiasmo e esperança no futuro. Daquilo que sei, a descrição que Isabel Arriaga e Cunha faz dela no Público de hoje é extremamente fiel à realidade: «aliança da simplicidade escandinava com uma sensibilidade muito feminina e uma forte personalidade».

Anna Lindh seguiu desde cedo as passadas de Olof Palme, outro polí­tico sueco assassinado nas ruas de Estocolmo, num momento de descontracção pessoal. Anna Lindh e Olof Palme, para além da morte, tinham em comum o amor à liberdade, à igualdade e à solidariedade. Agora partilham também o facto de terem sido injustamente castigados e juntam-se a tantos outros mártires como, por exemplo, Rabin.

Anna e Olof eram figuras de proa daquilo a que se convencionou chamar "o socialismo democrático europeu", modelos a seguir para muitos que, como eu, acreditam que é possí­vel conciliar o ideal da solidariedade com a democracia liberal.

Anna Lindh criticou duramente George W. Bush e a sua administração pela estratégia escolhida para encarar o problema iraquiano. Mas, ao contrário do que escreveu Bettencourt Resendes na edição de ontem do DN, nunca se deixou «embalar nas ondas de antiamericanismo que servem os propósitos do fundamentalismo islâmico». A prova disso mesmo é o elogio rasgado que ontem lhe foi feito por Colin Powell.

(Será preciso ser estúpido para ser director de um diário de referência em Portugal?!)

Mas como se não chegasse o horror da notí­cia da morte de Anna Lindh, ficámos também ontem a saber que o governo israelita decidiu assumir o princí­pio do afastamento de Yasir Arafat... o que poderá querer dizer expulsão, detenção ou assassinato do lí­der palestiniano.

Há quem ache que se trata apenas de uma manobra de Sharon para pressionar Arafat um pouco mais. Eu gostava, mas não acredito. Estou convencido que a intenção do governo israelita é mesmo expulsar Arafat. Desde há quase três anos tem sido esta a estratégia de Israel: alimentar a espiral de violência palestiniana, pois esta dá-lhe legitimidade (aos olhos de alguns) para continuar a exercer a sua própria violência.

Não é preciso ser adivinho para perceber que este anúncio do governo israelita vai provocar mais atentados suicidas em Israel e que, por isso, é mais uma acha para a fogueira em que ardem há tanto tempo os civis israelitas e palestinianos. Mas esses novos atentados serão úteis à estratégia de Sharon, já que lhe permitirão aquilo que não lhe permitiram há 20 anos quando liderou a invasão do Lí­bano: ver-se livre de Arafat.

Porquê? Para quê? Sinceramente não sei... independentemente das culpas que Arafat tem no cartório, não será a sua morte que levará finalmente à paz desejada.

No entanto, como temos de continuar a lutar por um modelo civilizacional assente no respeito pela lei e pelos direitos dos indví­duos e que tem como expressão de governo a democracia liberal, não podemos tolerar este acto: nenhum governo tem o direito de expulsar o líder eleito de um povo da capital do território que governa.

Da mesma forma que Saddam Hussein não tinha o direito de invadir e ocupar o Kuwait, da mesma forma que George W. Bush não tinha o direito de invadir e ocupar o Iraque, Ariel Sharon não tem o direito de invadir e ocupar a Faixa de Gaza. A ONU e a comunidade internacional não podem ficar caladas!

Não dá pra tirar o 11 de Setembro do calendário dos próximos anos?!...