«[...] Sempre houve terroristas e sempre se acabou por negociar com os terroristas, passados os primeiros tempos em que só a vingança e o extermínio deles até ao último eram admissíveis. Ontem mesmo, na sua tenda do deserto, o agora "honourable" Muammar El Kadhafi, responsável directo por Lockerbie - o maior atentado terrorista cometido na Europa -, recebeu o "premier" inglês Tony Blair, um dos arautos principais da guerra "antiterrorismo" contra o Iraque. Kadhafi está assim de volta ao "mundo civilizado" [...].
Dirão que agora é diferente. Que agora se enfrenta um inimigo sem rosto nem causas, que proclama amar a morte, enquanto nós, ocidentais, amamos a vida. A frase é, sem dúvida, de uma bestialidade desumana, mas compromete apenas aqueles que põem as bombas ou que mandam pô-las, não aqueles que são supostos representar. Nada nos autoriza a presumir que seja diferente a dor dos palestinianos que choram os seus mortos da dos israelitas que choram os seus. Não há mortos injustos e mortos justificados, assim como não há terroristas sem perdão e terroristas legítimos. Não alcanço a diferença entre o terrorismo do xeque Yassin, chefe de um bando de assassinos, e Ariel Sharon, que o mandou assassinar, em nome de um terrorismo de Estado praticado às claras e assumidamente. É certo que, quando pratica os seus "assassinatos selectivos", os seus bombardeamentos sobre campos de refugiados civis ou a destruição das casas das famílias dos suspeitos, Israel está a exercer um direito de autodefesa, o direito de viver em fronteiras seguras, dentro do seu próprio Estado. Mas aí é que reside o problema: Israel tem um Estado e fronteiras e os palestinianos não. [...]
A ideia de que o terrorismo originado pelo fundamentalismo islâmico não tem causa - logo, não pode ser parte em negociações - é uma ideia preguiçosa e perigosa. Tem sim, tem uma causa, e todos sabemos qual é: chama-se Palestina. [...] A justiça devida aos mortos de Manhattan foi posta entre parênteses para que George W. Bush pudesse ganhar a sua guerrazinha pessoal contra Saddam Hussein. Perdeu-se tempo, credibilidade e andou-se para trás, no que verdadeiramente interessava.
Há, pois, outro caminho. E esse caminho não é ir ao Afeganistão convidar Bin Laden a sair da gruta e vir negociar a Genebra. Não é disso que se trata, quando se fala em negociações. Trata-se de desarmar a popularidade de Bin Laden no mundo muçulmano, de desarmar politicamente o terrorismo islâmico. [...]»
Miguel Sousa Tavares, «E Não Se Pode Exterminá-los?», in Público. A ler na íntegra.