Foi há uns anos. Defronte da catedral de Barcelona parámos inebriados. Andávamos assim há horas, a passear pelo Bairro Gótico, entre ruelas e pessoas, e parámos. E, de novo, inebriados, fomos rondados por mulheres de gestos alegres e ciganos, que nos prometiam este mundo e o outro. E entre um cravo que nos vendiam e o sonho de Abril em Janeiro voaram cinco mil pesetas (sim, ainda não existiam uniões de facto entre moedas), enquanto na carteira jaziam quase inúteis duas notas de mil escudos. Abençoadas mãos, que seleccionaram o trigo do joio. O Edgar exultava por não ter sido ele o ludibriado - e falava de partilha dos bens. Ontem e hoje, lembrei-me da história, por alguém estar a exultar de alegria com o meu telemóvel que fotografava a Mariana e o Lucas e registava mais de 100 números de telefone...
Corri para a estante de onde retirei «El hacedor», Jorge Luis Borges na versão de bolso da Alianza Emecé. Lá dentro, no papel já amarelecido, o Edgar registou o dia do encantamento: «No teu aniversário em Barcelona quando te roubaram o dinheiro». Cru como a vida.