José Manuel Fernandes, "paladino da ocupação do Iraque" nas palavras do Miguel Marujo, e uma das pessoas para cujos rendimentos mais lamento contribuir, assina o Editorial da edição do Público de hoje. O texto intitula-se «Durão no casamento de Luanda» e, basicamente, diz o seguinte: «Num país onde se morre de fome e que depende da ajuda internacional, uma festa com o luxo da do casamento da filha de José Eduardo dos Santos é um escândalo. Mas que contou com a participação cúmplice de Durão Barroso. Que vergonha...»
Desengane-se quem chegou a pensar que me preparo para defender José Eduardo dos Santos da opinião de José Manuel Fernandes. Deus me livre! Mas, não consigo deixar de perguntar a mim mesmo e a quem ler estas linhas a razão de, aparentemente, a Rua Viriato ter tão boa vista para Luanda e tanto nevoeiro a encobrir a vista do resto da cidade de Lisboa. Ou de Washington.
Porque é que JMF se envergonha da viagem privada, de "amigo", de Durão Barroso a Luanda e não se envergonhou, da mesma forma, da viagem oficial, de "aliado", de Durão Barroso à Base das Lajes?
Porque é que JMF acha escandaloso o luxo do casamento de Tchizé e não achou, da mesma forma, escandaloso o luxo do aparato militar utilizado nos bombardeamentos, invasão e ocupação do Iraque?
Porque é que JMF tem palavras tão duras para com este acto de Durão Barroso, quando foi, ele próprio, cúmplice do envio de "tropas" pagas a peso de ouro a partir de um país onde o salário mínimo não chega a 360 Euros por mês?
Acaso nos EUA e em Portugal não se morre de fome? Ou de frio? Ou será que a miséria dos angolanos vale mais que a dos norte-americanos e dos portugueses? Ou os angolanos dizimados pela guerra valem mais que os soldados norte-americanos e os civis iraquianos a quem acontece o mesmo?
Confesso que não entendo.
Que o primeiro-ministro português se deveria abster de praticar actos de vassalagem junto de José Eduardo dos Santos, eu entendo. O que não entendo é a razão pela qual JMF não faz o mesmo raciocínio quando o acto de vassalagem tem no seu centro um senhor chamado George W. Bush...
Porque JMF é mesmo assim. Tal como acusa os outros de fazer, tem vários pesos e várias medidas. Não se preocupa muito com a coerência de pensamento e de discurso, desde que o que pensa e escreve sirva para defender e alimentar a sua visão do mundo, feita a preto-e-branco, e da humanidade, dividida entre bons (os seus) e maus (os outros). JMF é daqueles que não teria hesitado em lançar a primeira pedra... mas talvez escrevesse um editorial contra a pena de morte no dia seguinte.
JMF dirige um dos melhores jornais portugueses com uma tiragem média que ronda os 70.000 exemplares; JMF foi colocado no pedestal dos comentadores televisivos e radiofónicos; JMF modera debates, comenta conferências e apresenta livros. JMF há-de ter algumas qualidades, mas isso não o coloca acima dos comuns dos mortais. Como jornalista profissional que é, deveria, ele também, abster-se de praticar actos de tal arbitrariedade.