18.12.03

Abortos há muitos!

Já que toda a gente resolveu começar a mandar bitaites, eu também não quero ficar calado!
Quando eu era pequenino (ou menos gordo), na escola primária, chamava-se "aborto" às miúdas feias, aquelas que ninguém queria. Depois, mais tarde, "aborto" passou a ter outro significado. Na catequese diziam que era um coisa má. Que as mulheres más faziam. Na catequese nunca ninguém me disse o que era uma violação. Só fiquei a saber ao certo o que era uma violação quando vi, à escondida dos meus pais, um vídeo de um filme com o Dustin Hoffman chamado "Straw Dogs". Fiquei a perceber, nessa altura, que uma violação também é uma coisa má. Mas não estabeleci nenhuma ligação ao tema do "aborto". Nem à catequese. Depois, fui crescendo (e ficando mais gordo). E fui sabendo e entendendo outras coisas. E fui fazendo ligações. Um dia, chamaram-me para me pronunciar em referendo sobre a despenalizãção/liberalização do "aborto" que, nessa altura, se chamava IVG. Muita gente tentou convencer-me que, sendo eu católico, teria que votar "não". A verdade é que também aqui não vislumbrei qualquer ligação. Além disso, ser católico não quer dizer que não se tenha uma cabeça cheia de células ditas cinzentas que nos permitem pensar e fazer as nossas opções. Votei "sim". Entretanto, outros (alguns, na verdade, eram os mesmos) tentaram convencer-me de duas coisas: em primeiro lugar, corolário lógico dos acontecimentos passados, que eu não era um bom católico; em segundo lugar, que como os poucos portugueses que tinham ido votar tinham votado maioritariamente "não", então o assunto estava arrumado.
O problema, meus amigos, é que o assunto não está arrumado. Mesmo que o número de votantes tivesse sido superior a 50% dos eleitores inscritos, nenhuma decisão tomada por referendo é imutável. Era o que faltava! Se os deputados são eleitos de quatro em quatro anos e o Presidente da República de cinco em cinco, porque raio é que o resultado de um referendo haveria de ser eternamente válido?!
Hoje passei muito tempo no trânsito de Lisboa e, por isso, pude seguir, através da TSF, o debate no Parlamento. O PSD bem pode tentar disfarçar como quiser e puder, mas a verdade é que já ninguém duvida que quem manda na coligação é mesmo o PP. O outro PP, o Pacheco Pereira, bem avisou. O topo de gama desta tentativa de disfarce do PSD chegou esta semana por via do Nobre Guedes e foi hoje repetido por Durão Barroso no Parlamento: no PSD ninguém parece estar de acordo com a criminalização do aborto, mas, seja como for, a lei não vai mudar, pelo menos durante esta legislatura. Há duas razões para que isto não aconteça: uma verdadeira e outra falsa. A verdadeira é que o PSD sabe que enquanto tiver o PP como parceiro de coligação governamental não vai poder fazer nada sem a sua autorização; a falsa é a que Durão Barroso hoje utilizou: existe um compromisso eleitoral que impede o PSD de mexer na lei...
Será que o Dr. Durão Barroso é mesmo tão estúpido como aparenta ser? Ou será que decidiu começar a cumprir as promessas eleitorais? A mim, dava-me jeito que fosse esta última, porque desde que decidi não fazer um aborto e aceitar o Francisco no meu colo quando os médicos o tiraram do ventre da Inês, tenho-me farto de gastar dinheiro em fraldas... Um choque fiscal vinha mesmo a calhar!