23.10.03

O melhor momento da TVI que eu perdi

O famoso diálogo de terça-feira, entre Miguel Sousa Tavares e Manuela Moura Guedes...
Actualização: Alertado pelo Terras do Nunca, cada vez mais um "clássico", dou com uma versão ainda mais corrosiva no Jornal de Notícias. Actualizo então o texto:

[...]
Miguel Sousa Tavares (MST) - Estava eu a dizer que o meu primeiro trabalho, quando saí da faculdade foi na Comissão de Extinção da Pide, onde tive ocasião de folhear muitos processos que a Pide tinha instruído aos antigos resistentes...
Manuela Moura Guedes (MMG) - Ó Miguel, por amor de Deus, não vais comparar o que agora vivemos com a Pide!
MST - Não vou comparar porque há uma diferença grande, é que as escutas da Pide não apareciam nos jornais e agora aparecem...
MMG - E tu pões uma comparação... É grave, muito grave
MST - Para dizer o seguinte, aprendi outra coisa...
MMG - Havia perseguições políticas...
MST (já em voz mais alterada) - Ó Manela eu ouço todas as semanas o prof. Marcelo Rebelo de Sousa, aqui, nunca o ouvi ser interrompido nem deixarem acabar o raciocínio...
MMG - Não, nunca estive com o prof. Marcelo ...
MST - Ora, eu não me importo de ser interrompido, de ser contraditado, mas importo se tu me impedes de acabar o raciocínio. Se me impedes, eu calo-me e passemos ao assunto seguinte.
MMG - Eu só te peço que não faças comparações com a Pide porque o que eu te perguntei é o comentário ...
MST - Mas tu não tens de me pedir nada, tens de ouvir a minha opinião.
MMG - Sobre a Pide...
MST - Sim, sobre a Pide. O que havia na Pide não eram apenas as actividades subversivas que o Governo pedia. Havia a vida familiar, sexual, extra-sexual, extra conjugal, as dívidas de jogo, havia tudo sobre as pessoas. Portanto, não há nada mais grave do que uma escuta telefónica e é por isso que a Constituição estabelece que o sigilo da correspondência privada é um princípio fundamental. Um juiz só pode decretar em último caso, tem de ser imediatamente apresentado ao juiz, tem que mandar apagar o que é irrelevante. E eu quero saber se isso aconteceu neste caso. E não pode, de maneira nenhuma, deixar que isso chegue aos jornais.
MMG - Tu achas que tudo isso é irrelevante.
MST - Eu não sei se é ou não, sei é que o julgamento não se faz aqui. Eu digo-te uma coisa. Se te puserem sobre escuta telefónica e se publicarem as tuas conversas no jornal tu não te vais reconhecer a ti própria ... E não vais conseguir explicar muitas das coisas que disseste.
MMG - Não percebo...
MST - Porque as pessoas quando falam normalmente, e quando falam com os amigos, falam de maneira completamente diferente. Por isso é que eu digo que isto só faz sentido... É evidente que eu percebo. É uma conclusão que eu tirei. O PS mexeu-se. Claro que se mexeu...
MMG - Não é mexer. São as pressões...
MST - Resta saber que pressões. Se o processo fosse abafado...
MMG - E achas isso normal...
MST - Não. Se fez essas, está errado, e está por demonstrar...
MMG - Está por demonstrar com estas escutas?
MST - Num Estado de Direito, os julgamentos fazem-se em tribunal porquê? Porque obedecem a um contraditório. Porque aparecem as escutas da acusação e a defesa tem o direito de se defender, e de explicá-las.
MMG - E o que é que nós temos assistido se não a explicações dos diversos dirigentes socialistas...Há uma fase, inclusivamente, que Ferro Rodrigues sabe que está sob escuta e de propósito faz uma adjectivação pouco simpática aos magistrados, aos juízes...
MST - Também eu faria. Não gosto que me escutem as conversas.
MMG - Já fizeste o teu comentário?
MST - O meu comentário é assim: eu acho que, infelizmente, e vou voltar a dizer isto (deve ser a quinta vez que digo na TVI), as deficiências da instrução são tamanhas, os incidentes laterais são tamanhos, que eu acho que o grosso dos implicados vai acabar de fora, com prejuízo de acabarem dentro, se calhar, alguns inocentes, e que jamais alguém neste país vai ter a certeza de que se chegou à verdade, seja ela qual for. Foi isso que eu acho que se conseguiu.

Todo o diálogo é de antologia. O texto completo - da sua presença na TVI - pode ser lido no Diário Económico. E rebate ponto por ponto muitas ideias feitas sobre o processo Casa Pia. A ler, obrigatoriamente, sobretudo para quem não viu...