[À atenção do Pedro Príncipe e da Inês Versos]
Quando a Cibertúlia era uma mailing list, nos idos dos anos 99-00, houve um aceso debate sobre o uso e abuso do termo «tia» e «tio», «tias» e «tios». A Tatiana, ainda por empréstimo, traz-nos uma outra leitura possível. À vossa consideração.
«Os "tios" e as "tias" não são da família nem muito íntimos e têm sempre uma certa idade. Nunca são mais novos do que os nossos pais.
– Mas isso é expressão de gente que tem a mania que é fina. Chamo as pessoas pelos nomes.
– E se não sabes os nomes? Entras numa sala e estão lá sentadas seis pessoas que nunca viste mais gordas. Como é que as tratas?
– Não trato. Digo "bom dia" ou "boa tarde" e ponho-me a andar.
– Estás a fugir à questão. Imagina que vais fazer um cafézinho para todos. Afinal, são amigos dos teus pais...
– Trato-os por você.
– Mas a palavra "você" é formal e impessoal. Qualquer pessoa é um "você". Nestas circunstâncias, queremos marcar a diferença. Estamos a dizer que aqueles indivíduos naquela sala não são estranhos. E daí o "tio" e a "tia": delicado, mas simultaneamente familiar:
– Está aqui a sua chávena, "tio".
– A "tia" quer adoçante?
– Só gente fina ou armada em carapau de corrida é que se põe com "tios" e "tias".
– Admito que seja um termo utilizado pelas camadas sociais mais altas. Mas as palavras, ao contrário de outros bens, podem ser usurpadas. Nada mais fácil de roubar do que uma palavra.
– E tu sugeres que os pobres roubem as expressões "tio" e "tia" aos ricos e aos parvos?
– Exactamente!
– Mas quando os finos se aperceberem que toda a maralha está a falar assim, vão deixar de utilizar as expressões.
– Pois, mas isso é irrelevante. Ou melhor, os finos é que ficariam a perder. Porque os pobres não estariam a roubar as palavras numa tentativa de adquirir outro status, mas sim de absorver duas expressões que dão muito jeito quando estão seis pessoas numa sala.»