31.1.07

Oxalá



Oxalá, me passe a dor de cabeça, oxalá

Oxalá, o passo não me esmoreça;

Oxalá, o Carnaval aconteça, oxalá,
Oxalá, o povo nunca se esqueça;

Oxalá, eu não ande sem cuidado,
Oxalá, eu não passe um mau bocado;
Oxalá, eu não faça tudo a pressa,
Oxalá meu Futuro aconteça.

Oxalá, que a vida me corra bem, oxalá.
Oxalá, que a tua vida também.

Oxalá, o Carnaval aconteça, oxalá,
Oxalá, o povo nunca se esqueça;

Oxalá, o tempo passe, hora a hora,
Oxalá, que ninguém se vá embora,
Oxalá, se aproxime o Carnaval,
Oxalá, tudo corra, menos mal.

[Letra e Música de Pedro Ayres Magalhães, álbum "O Paraíso", interpretação dos Madredeus.]
Via SushiLeblon.

O feto

Aguiar Branco disse-o, titubeante, no debate do Prós & Contras: o feto (ou o embrião ou uma criança) de uma mulher grávida por violação não é igual a um feto (ou um embrião ou uma criança) de uma mulher grávida. Não percebi. Dir-me-ão que a esta excepção prevista na lei corresponderá uma enorme fragilidade física e psíquica e emocional de uma mulher violada. É verdade. Mas esse feto é igual ao de uma mulher que engravidou sem ser violada. Uma outra qualquer gravidez poderá, para essa mulher, acarretar uma outra violência física e psíquica e emocional. Não consigo ajuizar, não consigo entrar no íntimo de cada uma, para conhecer a fundo as razões que a levarão ao aborto. Apenas sei que devo confiar nela, na mulher. Ajudando-a, aconselhando-a. Mas respeitando-a. Mais do que isto, estarei a violar a sua consciência. Eu prefiro confiar na vontade da mulher. O aborto não é feito levianamente, sem uma grande dor. No seu íntimo, a causa será justificada e dolorosa. Violar a sua consciência é obrigá-la a recorrer à clandestinidade, que é o que acontece hoje, que é o que acontecerá se o não ganhar.

[publicado originalmente no Sim no Referendo]

CSI Lisboa

Um mistério que se anuncia: vem o CSI de Miami a Lisboa?


Da memória: «A barbárie confessa de uma sociedade»

[actualizado: o nome prestou-se à minha confusão. O texto do Público é de António Pires de Lima pai e não de António Pires de Lima filho. Mea culpa, minha tão grande distracção. Sem alterar o sentido do texto, que seria incorrecto da minha parte, corrijo este dado. Obrigado ao Leonardo Ralha pelo reparo nos comentários. E as desculpas a quem de direito e leitores.]

António Pires de Lima [pai] escreveu-o ontem no Público: "Saddam Hussein foi objecto de um homicídio autorizado legalmente: nisto consiste a execução da pena de morte. Admito que tenha cometido crimes da maior gravidade. Monstruosos e inumanos. Em minha opinião o facto de se lhe tirar a vida constitui, ou traduz, a barbárie confessa de uma sociedade que se considera a ela própria incapaz de promover, sequer tentar, a regeneração do responsável. [...] Enfim: teremos, em Portugal, o regresso ao tempo da destruição legalmente permitida de seres humanos, tal como quando aqui vigorava a pena de morte." O título deste artigo: «Por que voto não».

Mas vale a pena olhar para o baú da memória: em Agosto de 2002, [o mesmo] Pires de Lima [filho] veio admitir a reintrodução da pena de morte, num artigo de opinião no Diário Económico. No PortugalDiário tive ocasião de seguir a história. Recupero excertos.

"O dirigente do CDS/PP António Pires de Lima admite a pena de morte. Uma posição pessoal, que o seu partido não acompanha. Nem políticos, nem juristas, nem mesmo a Igreja se colocam ao lado do ex-deputado, que assume a sua condição de «católico praticante, politicamente incorrecto e religiosamente desadequado».
Pires de Lima defende que faz sentido ponderar a reintrodução da pena de morte em Portugal para crimes extremos, principalmente aqueles que envolvam crianças ou práticas de pedofilia. [...]
O PP já se demarcou da posição do seu dirigente, embora advogue sanções mais pesadas para estes casos. Fonte do gabinete de Paulo Portas disse ao PortugalDiário que «o presidente do partido sempre foi contra a pena de morte». [...]
Em declarações ao jornal A Capital de hoje [8/8/02], António Pires de Lima reafirma a posição assumida num artigo de opinião publicado na terça-feira no Diário Económico. Aí escreveu: «Apesar da desumanidade dos corredores da morte e do discutível acto moral de retirar a vida a alguém, é talvez esta a única forma de fazer justiça possível em casos destes [o crime de Inglaterra], honrando a memória das crianças mortas [Jessica e Holly]». [...]
António Pires de Lima lançou a polémica [no referido artigo] olhando para o "alto": «[Depois da condenação à morte,] Deus lá estará, para a todos julgar e perdoar aquilo que só Ele pode entender». [...]"

Às claras



Os olhares da Maria (e este, em especial, do presépio cá de casa, que só agora descubro) e do Francisco.

Às escuras

30.1.07

Falta de decência

Mas as crianças, senhores?!

Pós-moderno

Telefono ao Pedro com dúvidas sobre como melhor utilizar a Bimby. Tudo por uma surpresa.

Fogo sob céu de chumbo

Lisboa, hoje às 17h45, vista do Campo de Santana

A pergunta

A «pergunta» parece afligir muitos, que dizem que se fosse explicitado o que vem a seguir votariam «sim». Um equívoco, ontem abusivamente gritado como se fosse um «cheque em branco» por quem se diz ex-ministro da Justiça. O que se referenda é uma intencionalidade para futura lei: quer despenalizar a mulher? Se sim, qualquer regulamentação terá de ser feita em sede própria, no Parlamento, depois do referendo. E quem quer combater o aborto clandestino (o Sim), tudo fará para que essa regulamentação se cumpra eficazmente.

[publicado originalmente no Sim no Referendo]

[para memória futura, II]

Devo viver noutro país e devo frequentar outra Igreja Católica, onde o Não vai para as portas das igrejas cravar assinaturas para os seus movimentos; onde se invocam nossas senhoras e terços para sair à rua; onde se atira que os católicos serão excomungados e sem direito a funeral religioso se votarem sim... De resto: o Estado é secular e por isso não deve decidir em função de opiniões religiosas. A César o que é de César.

[mais um comentário de resposta que pelos vistos não passou do crivo da moderação do Não; actualizado: este comentário foi publicado agora (30/1, 12h20), assim como a anterior "memória futura", muito depois de outros posts e comentários terem sido publicados.]

Prós e contras, mais isto

Aguiar Branco para além de ter dito que é pai de cinco filhos disse que sabia do que falava porque foi ministro da Justiça. Espantoso país: um ex-ministro da Justiça que defende que se deve manter a lei para continuar como até aqui, sem ser cumprida. Menos espantoso: foi ministro da Justiça do Governo de Santana.

29.1.07

Prós e contras, apenas isto

«O Sim é medieval», diz Laurinda Alves. Mulheres a morrer e a esvair-se em sangue, por abortos clandestinos é que é modernaço, ó Laurinda.

[para memória futura]

[comentário deixado na caixa de um post do Blogue de Não, em que um dos seus autores me dizia que eu me iria atormentar por contribuir para a liberalização do aborto, e que tive de recuperar porque não foi publicado. o que me atormenta, é a liberalização actual, respondi-lhe. como não sei se este comentário será aprovado, deixo-o aqui para memória futura.]

Entre o comentário de VLX, às 12h34, e a minha pergunta das 16h42, deixei uma resposta ao seu comentário que não foi publicado. Insisto, porque deve ter havido uma falha técnica involuntária certamente.

Dizia eu que espero que VLX também gira bem na sua consciência, nos dias que correm, as mulheres que morrem por causa de abortos clandestinos ou das que se vêem atiradas para as urgências dos hospitais, com a actual liberalização do aborto. Espero que consiga gerir estes momentos o melhor possível. Eu vivo atormentado com isto, por isso quero a despenalização (que é o que se vota!) da mulher, nada mais, combatendo esta liberalização.

A liberalização do vão de escada que existe nos dias de hoje tem de acabar, e é isso que o Sim quer, com a proposta.

Espantos

Há um «médico com média de 50 consultas por dia [que] trabalha mais de 200 horas por mês», diz o Público, com base numa inspecção da IGS. O motivo será a prescrição elevada desse médico em tanta hora. Escuso de o defender, cada um sabe de si. Espanto-me é com o espanto das 200 horas mensais. Cá em casa, M. tem um horário de 42 semanais (que inclui 12 horas de urgência e que é muitas vezes ultrapassado), mais 12 horas extraordinárias que é obrigada a fazer nas urgências (sim, bancos de 24 horas semanais). Estas 54 horas semanais traduzem-se em 216 horas por mês. Destes casos, a Inspecção da Saúde não quer saber. Só põem em causa a saúde de cada médico e a prescrição é "hospitalar".

AsSIM Não



Assim sim.

«É assim que se papa a mousse? Não.»

28.1.07

«As sociedades podem mudar as leis, mas devem sempre aplicá-las»

«A situação actual é, em minha opinião, a única que não faz eticamente sentidoJosé Miguel Júdice, ex-bastonário da Ordem dos Advogados, militante do PSD.

Nem mais, nem menos

«(...) É inevitável a pergunta: dentro das dez semanas, já existe vida humana, ser humano ou pessoa humana? Sobre o que é a vida, sobre o que é vida humana, sobre o que é pessoa, as linguagens do senso comum, das ciências, das filosofias e das religiões não são coincidentes. E, no interior de cada um desses ramos do conhecimento, o debate não está encerrado.(...) A embriologia expressa no boneco chinês é pura fraude e uma obscenidade.

Parece-me exorbitante ameaçar os católicos que votem "sim" com a excomunhão. Comparar o aborto ao terrorismo é fazer das mulheres aliadas da Al-Qaeda. A retórica deve ter limites.

Creio que é compatível o voto na despenalização e ser - por pensamentos, palavras e obra - pela cultura da vida em todas as circunstâncias e contra o aborto. O "sim" à despenalização da interrupção voluntária da gravidez, dentro das dez semanas, é contra o sofrimento das mulheres redobrado com a sua criminalização. Não pode ser confundido com a apologia da cultura da morte, embora haja sempre doidos e doidas para tudo.

Eu, agora competente me confesso para afirmar: quando, em Portugal, o aborto for obrigatório, abandono o país. Nem mais, nem menos.» Frei Bento Domingues, hoje no Público.

Pequena polémica

O animador do não João Gonçalves tresleu o meu comentário no blogue dele sobre a não publicação do texto de frei Bento. E este animador do não muito-católico-e-pio-certamente aproveita para dizer que não considera o frei Bento e outros do "género". Devo ser do género. Mas deixei-lhe comentário:

«Eu não lhe perguntei o que achava do artigo, perguntei se não ia queixar-se de que era manipulação não surgir online o texto como se queixou da alegada manipulação do DN, na transcrição da missa de Marcelo.
Sobre a sua opinião sobre o frei Bento, revela muito sobre si e sobre alguns católicos neste referendo. Ah, sou católico e continuarei a ser Igreja também, por muito que lhe custe a si e a outros. Não aprendeu que não deve ajuizar da fé dos outros?!» [E adendou mais um treslimento. Deve ser estilo.]

«Jogo limpo, por favor»

O artigo de opinião do frei Bento Domingues não está disponível on-line na edição do Público de hoje. Esperemos que os justiceiros do Blogue do Não protestem vivamente contra esta manipulação.

Neve

Parece que nevou. Mas como Lisboa é grande, aqui em Campo de Ourique não terá caído. Ainda bem que não acordei para ver.

Pagava-se a dobrar

27.1.07

Sim

26.1.07

Virgens puras

Acho estranho que só agora se descubra que o técnico que está à frente da Câmara de Lisboa não terá unhas para tocar esta guitarra. E que só agora se descubra o caos instalado na autarquia, quando Carmona sempre esteve ao lado das trapalhadas de Santana. E repetimo-lo a 1 de Setembro de 2005, antes das eleições.

O estado do Ensino

Depois de um economista ser pouco rigoroso nas contas, ouve-se que o professor de Direito também o é nas leis. E depois admiram-se do estado do Ensino.

25.1.07

Produção realista

Esta noite

«Vestia-se de púrpura e linho fino e banqueteava-se todos os dias. Um pobre, chamado Lázaro, jazia ao seu portão - reflexão sobre a erradicação da pobreza na Cidade e no Mundo», com Manuela Silva, economista e presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, e Alfredo Bruto da Costa, presidente do Conselho Económico e Social. Às 21h30, na Sala Alberto Lourenço, anexa à Igreja de Santa Isabel, em Lisboa.

Eh, pá, talvez, vamos lá ver, a questão não é assim tão simples



[a questão não é assim tão simples, mesmo.]

24.1.07

Hèlas!

«Il y a des cas où un chrétien peut considérer qu'hélas ! l'avortement est un moindre mal», Abbé Pierre, «Je voulais être marin, missionnaire ou brigand». Carnets intimes inédits. (Textes rassemblés par Denis Lefèvre. Le Cherche-Midi. 2002), citado aqui.

A rodar insistentemente cá em casa*



Herculean, por The Good The Bad And The Queen, ao vivo a 26/10/2006 na Camden Roundhouse. [* - as coisas boas dos aniversários é receber boas prendas ou trocar algumas que já se têm por coisas que apetecem mesmo...]

28%

O que impressiona não é Bush estar no mais baixo nível de popularidade desde Nixon. É ainda ter 28 por cento de gente que aprova a sua governação. Devem ser da Atlântico, lá está.

Óscares

A Rita já fez a lista dos candidatos aos Óscares, completa, e com links para as críticas lá da casa. E também já nos fez chegar a tabela excel, para o concurso habitual dessa noite. Faites vos jeux!

Contadores

«O clima está a mudar. Devagarinho
O George W. pronunciou, pela primeira vez - e apenas uma única vez - num discurso do estado da União, a expressão "climate change".
[isto segundo um fabuloso gráfico do New York Times

[in French Kissin']

Este não é um post sobre aborto


Curiosidades

23.1.07

Dos elogios

Era para deixar passar, em público, mas, por esta vez, deixem-me embevecer (como gosto da palavra) com estes agradecimentos-elogios.

Babel


Bem sei que compilações de discotecas (e os cafésdelmar foram explorados até à medula do óbvio) devem fazer franzir o sobrolho a muitos. Mas quando os nomes (conhecidos) estão para lá de qualquer reticência (Nils Petter Molvaer, Lamb, Mari Boine, Hector Zazou, Jan garbarek, Goldfrapp, Anja Garbarek, Múm, Lisa Gerrard, Baba Maal, Marc Ribot, Celso Fonseca, Ludovico Einaudi) só nos podemos dar por satisfeitos pelo duplo CD a 13,95 euros, apesar de já ser de 2004 (e entretanto já terem saído outros dois, que aparentam iguais cuidados e qualidade). E os desconhecidos trazem o sabor das boas descobertas: Fiamma Fumana, Tinariwen, Oumou Sangare, e outros, vários outros. 27 canções de pedir mais. Pela mão da italiana Irma Records, a ouvir, este notável diálogo Norte-Sul, dois CD, duas metades desta mesma Babel.

We swim with sharks/And fly with aeroplanes in the air


Cat Power, Lived in Bars (The Greatest)

Equilíbrios

A calçada molhada torna a sola das sapatilhas num excelente par de esquis. Como estes dias.

22.1.07

Novo mapa de Lisboa

Ditadorzeco de valor acrescentado

Não admira que Salazar venha a ser o grande português do entretenimento. Ao preço de 0,60 euros mais IVA, o povo remediado não votará. Os corporativistas espíritos santos, da cuf e herdeiros champistas tratarão de oficiar para que o senhor de Santa Comba seja supostamente bem visto por novas gerações. Um engano, senhores. A ditadura não se apaga com condomínios fechados ou por votações de valor acrescentado.

A verdade da mentira

Confiar


Abbé Pierre [1912-2007]

Se Deus viesse e dissesse mostrem-me uma razão para que valha a pena continuar, este homem recuperar-lhe-ia a confiança nos homens.


[Obrigado ao Pedro, sempre atento.]

21.1.07

Ética

Leio pasmado que este texto, do padre Anselmo Borges, e este, escrito a cinco mãos, não têm qualquer argumento ético, sobre a possibilidade de se se considerar o aborto um mal e votar sim. Ou ser pela vida e pela despenalização do aborto. Está tudo dito.

Perigo no túnel

Rajada de vento


1938-2007

«Só a rajada de vento
dá o som lírico
às pás dos moinhos.
Somente as coisas tocadas
Pelo amor das outras
Têm voz»

A I. na quarta-feira ofereceu-me um postal onde escreveu estas palavras de Fiama Hasse Pais Brandão. E acrescentava o que deste poema disse Jorge Reis-Sá no Mil Folhas: «Alguns versos de Fiama salvariam o mundo. Se Deus viesse e dissesse mostrem-me uma razão para que valha a pena continuar, este poema recuperar-lhe-ia a confiança nos homens».

As asas de um anjo


Solveig Dommartin [1958-2007]

Credo (pessoal) para estes dias

«O cristão é quase sempre um dissidente. Ser fiel à experiência histórica de Jesus impõe caminhos corajosos de distanciamento dos consensos estabelecidos. Em muitas ocasiões, impõe solidões difíceis e incompreensões dolorosas. E sempre, mas sempre, lealdade ao que está para lá do momento.» [in Palombella Rossa]

O referendo sobre o aborto

Reproduzo na íntegra o texto de Anselmo Borges, padre e professor de Filosofia, hoje no DN:

«Numa questão tão delicada, com a vida e a morte em jogo, não se pretende que haja vencedores nem vencidos, mas um diálogo argumentado, para lá da paixão e mesmo da simples compaixão. Ficam alguns pontos para reflectir.

1. O aborto é objectivamente um mal moral grave. Aliás, ninguém é a favor do aborto em si, pois é sempre um drama.

2. A vida é um bem fundamental, mas não é um bem absoluto e incondicionado. Se o fosse, como justificar, por exemplo, o martírio voluntário e a morte em legítima defesa?

3. Para o aparecimento de um novo ser humano, não há "o instante" da fecundação, que é processual e demora várias horas.

A gestação é um processo contínuo até ao nascimento. Há, no entanto, alguns "marcos" que não devem ser ignorados. É precisamente o seu conhecimento que leva à distinção entre vida, vida humana e pessoa humana. O blastocisto, por exemplo, é humano, vida e vida humana, mas não um indivíduo humano e, muito menos, uma pessoa humana.

Se entre a fecundação e o início da nidação (sete dias), pode haver a possibilidade de gémeos monozigóticos (verdadeiros), é porque não temos ainda um indivíduo constituído.

Antes da décima semana, não havendo ainda actividade neuronal, não é claro que o processo de constituição de um novo ser humano esteja concluído. De qualquer modo, não se pode chamar homicídio, sem mais, à interrupção da gravidez levada a cabo nesse período.

4. Sendo o aborto objectivamente um mal, deve fazer-se o possível para evitá-lo. Tudo começa pela educação e formação. Impõe-se uma educação sexual aberta e responsável para todos, que, não ficando reduzida aos aspectos biológicos e técnicos, tem de implicá-los, fazendo parte dela o esclarecimento, sem tabus, quanto à contracepção.

5. O aborto é uma realidade social que nem a sociedade nem o Estado podem ignorar. Como deve então posicionar-se o Estado frente a essa realidade: legalizando, liberalizando, penalizando?

6. Não sem razão, pensam muitos (eu também) que, se fosse cumprida, a actual lei sobre a interrupção da gravidez, permitida nos casos de perigo de morte ou grave e duradoura lesão para a mãe, de nascituro incurável com doença grave ou malformação congénita e de crime contra a liberdade e autonomia sexual (vulgo, violação), seria suficiente.

7. De qualquer forma, vai haver um referendo. O que se pergunta é se se é a favor da despenalização do aborto até às dez semanas, em estabelecimentos devidamente autorizados, por opção da mulher.

Por despenalização entende-se que, a partir do momento em que não há uma pena, a justiça deixa de perseguir a mulher que aborta e já não será acusada em tribunal.

Aparentemente, é simples. Mas compreende-se a perplexidade do cidadão, que, por um lado, é a favor da despenalização - despenalizar não é aprovar e quem é que quer ver a mulher condenada em tribunal? -, e, por outro, sente o choque de consciência por estar a decidir sobre a vida, realidade que não deveria ser objecto de referendo. O mal-estar deriva da colisão dos planos jurídico e moral.

8. Impõe-se ser sensível àquele "por opção da mulher" tal como consta na pergunta do referendo, pois há aí o perigo de precipitações e arbitrariedades. Por isso, no caso de o "sim" ganhar, espera-se e exige-se do Estado que dê um sinal de estar a favor da vida.

Pense-se no exemplo da lei alemã, que determina que a mulher, sem prejuízo da sua autonomia, deve passar por um "centro de aconselhamento" (Beratungsstelle) reconhecido. Trata-se de dialogar razões, pesar consequências, perspectivar alternativas. A mulher precisará de um comprovativo desse centro e entre o último encontro de aconselhamento e a interrupção da gravidez tem de mediar o intervalo de pelo menos três dias. As custas do aborto ficam normalmente a cargo da própria.

O penalista Jorge Figueiredo Dias também escreveu, num contexto mais amplo: "O Estado (...) não pode eximir-se à obrigação de não abandonar as grávidas que pensem em interromper a gravidez à sua própria sorte e à sua decisão solitária (porventura na maioria dos casos pouco informada); antes deve assegurar-lhes as melhores condições possíveis de esclarecimento, de auxílio e de solidariedade com a situação de conflito em que se encontrem. Sendo de anotar neste contexto a possibilidade de vir a ser considerada inconstitucional a omissão do legislador ordinário de proporcionar às grávidas em crise ou em dificuldades meios que as possam desincentivar de levar a cabo a interrupção".»

20.1.07

Da minha cidade


Canal Central, Aveiro, fotografado há meia hora. Mesmo por telemóvel, bonito.

19.1.07

Os criminosos


Fixem bem estas caras. Os dois senhores de cima custaram-nos 1,6 milhões de euros em Setembro de 2004, por terem estado meia dúzia de anos na Caixa Geral de Depósitos. Falta-me tempo para ver exactamente quanto tempo. A equipa sucessora (cinco membros) foi indemnizada com 2,6 milhões de euros e só o presidente, Vítor Martins, levou para casa 800 mil euros. Mais uma cara a fixar. António de Sousa, Mira Amaral e Martins foram chicos-espertos. Mesmo que todos os dias gritem contra o Estado despesista (e fazem-no amiúde), trataram de despir o Estado na hora da sua saída. Qualquer trabalhador se trabalhar meia dúzia de meses ou anos numa empresa, sai com uma indemnização pequenina. Estes senhores, não. Mas à chico-espertice deles, devem apontar-se outros nomes: os dos ministros que os contrataram e assinaram estes contratos ruinosos para o Estado. Estes senhores devem ser chamados à responsabilidade e deviam pagar eles do seu bolso. Talvez assim Bagão Félix (um dos ministros responsáveis) encontrasse alguma sustentabilidade na Segurança Social.

[Actualizado: só hoje li no DN de ontem, que Mira Amaral e António de Sousa afirmam não ter recebido o dinheiro porque saíram por iniciativa deles da Caixa, não foram postos a andar; não os iliba de o seu contrato prever que seriam demasiado bem ressarcidos se tivessem sido convidados a sair; ressalvas: os administradores que saíram ganharam 4,2 milhões de euros, os ministros assinam contratos ruinosos, sem serem responsabilizados por isso.]

Elementar

Scoop!

18.1.07

Aparador

Lava-se a louça, arrumam-se os pratos, limpa-se a mesa. O blogue também tem as suas lides caseiras.

Cunhal, Soares e a liberdade

A partir da escolha dos supostos dez grandes portugueses, um debate interessantíssimo sobre Cunhal, Soares e a liberdade, entre Tiago, no Kontratempos, e Bruno, no Avatares.

Fosse o Sócrates... (II)

«A visita do presidente da República, Cavaco Silva, à Índia deverá ficar registada como a primeira em que um titular daquele cargo quis ‘dar conta‘ do que foi fazendo sem a intermediação dos jornalistas. [...] O que a Presidência da República fez no seu site foi apropriar-se de linguagens do jornalismo em favor de uma estratégia não jornalística. O que a Presidência da República fez foi reclamar também para si espaço no novo ambiente de comunicação em que a auto-edição ganha prevalência. [...]» Luís Santos, no renovado (e sempre imprescindível) Jornalismo e Comunicação.

[título, que remete para post anterior, e sublinhados da nossa responsabilidade]

Astros


Se eu acreditasse na astrologia, acharia da mais inestimável importância que Scarlett chegue hoje às salas de cinema com um Scoop! (na imagem), um dia depois do meu aniversário, quando também vem aí Jennifer Connelly a elucidar-nos sobre os diamantes de sangue. Ou acasos afortunados que bem podem alegrar a espuma dos dias, com Joana Amaral Dias editar o seu dia às quartas, ontem 17, no caso. Como não acredito nos astros, percebo que são apenas prendas inesperadas.

[Ontem, o Erradio também fez um ano, mais uma coincidência a assinalar. E cumpre-me agradecer os parabéns nas caixas de comentários e noutros blogues. E estas convergências de interesses, mesmo sem saber.]

17.1.07

17 de Janeiro

Eis um dia que pode ser recordado por muitos motivos.

Escuso de vos impingir a lista completa, que podem sempre consultar na Wikipédia, mas é sempre bom saber que neste dia, em 1462, foi descoberta a ilha de Santo Antão, em Cabo Verde, ou que, em 1562, Francisco I assinou um édito que terminou com a perseguição religiosa e reconheceu o direito civil dos protestantes franceses. Ainda nas coisas boas, lembre-se o primeiro livro da Penguin, lançado em Inglaterra, em 1935, e que, um ano depois, se publicou a primeira tira da BD "Fantasma", pela pena de Lee Falk.

Neste dia, em 1975, coincidência interessante nestes tempos, entra em vigor em França a lei de despenalização do aborto elaborada pela ministra da Saúde Simone Veil.

Já bem próximo de nós, em 1991, uma grande coligação liderada pelos Estados Unidos inicia o bombardeamento maciço do Iraque, para obrigar o regime de Saddam à retirada do Kuwait. As guerras marcam, aliás, este dia: em 1945, também os nazis começaram a evacuar Auschwitz, numa tentativa de encobrir os crimes contra a humanidade que ali se cometiam.

Neste dia, ainda, morreram algumas pessoas que fizeram os nossos dias e as nossas histórias, só para citar anos mais recentes: Miguel Torga, em 1995, Camilo José Cela, em 2002, Bezerra da Silva (cantor e compositor brasileiro), em 2005, no mesmo dia em que morreram ainda o político chinês Zhao Ziyang e a actriz americana Virginia Mayo. Para compensar, nasceram Benjamin Franklin (1706), Al Capone (1899), Muhammad Ali (1942), Jim Carrey (1962 ), Andy Rourke, o baixista dos Smiths (1964). Para adoçar, neste dia, em 1982, também nasceu Mel Lisboa.

Este é o dia do Tribunal de Contas da União Europeia, vá lá saber-se porquê, e de Santo Antão, que morreu nesta data em 356.

Curiosamente, segundo a Wikipédia, nada de relevante aconteceu a 17 de Janeiro de 1972 (nem eventos históricos, nem nascimentos ou mortes relevantes), naquele que é o 17º dia do ano no calendário gregoriano. Que sabe a Wikipédia?! Pelos vistos, ignora que dois marujos nasceram neste dia, tal como o Popeye muitos anos antes.

Alerta

16.1.07

Geração de 70

A minha geração já se calou, já se perdeu, já amuou, já se cansou, desapareceu
ou então casou, ou então mudou, ou então morreu, já se acabou.

A minha geração de hedonistas e de ateus, de anti-clubistas,
de anarquistas, deprimidos e de artistas, e de autistas estatelou-se docemente contra o céu.

A minha geração ironizou o coração, alimentou a confusão,
brincou às mil revoluções amando gestos e protestos e canções,
pelo seu estilo controverso.

A minha geração só se comove com excessos, com hecatombes,
com acessos de bruta cólera, de mortes, de misérias, de mentiras,
de refelxos da sua funda castração.

A minha geração é a herdeira do silêncio,
dos grandes paizinhos do céu,
da indecência, do abuso,
e um belo dia esqueceu tudo e fez-se à vida
na cegueira do comércio.

A minha geração é toda a minha solidão, é flor de ausência, sonho vão,
aparição, presságio, fogo de artifício, toda vício, toda boca
e pouca coisa na mão.

Vai minha geração, ergue a cabeça e solta os teus filhos no esplendor
do lixo e do descuido, deixa-te ir enquanto o sabor acre da desistência vai
corroendo a doçura da sua infância.
Vai minha geração, reage, diz que não é nada assim,
que é um lamentável engano, erro tipográfico, estatística imprecisa, puro
preconceito, que o teu único defeito é ter demasiadas
qualidades e tropeçar nelas.
Vai minha geração, explica bem alto a toda a gente que és por demais
inteligente para sujar as mãos neste velho processo, triste traste de Deus,
de fingir que o nosso destino é ser um bocadinho melhores do que antes.
Vai minha geração, nasceste cansada, mimada, doente por tudo e por nada,
com medo de ser inventada, o que é que te falta agora que não te falta nada?
Poderá uma pobre canção contribuir para a tua regeneração
ou só te resta morrer desintegrada?

Mas, minha geração, valeu a trapaça, até teve graça,
tanta conversa, tanta utopia tonta, tanto copo,
e a comida estava óptima! O que vamos fazer?

JP Simões, «1970 (Retrato)».

Meti-me com os lobos

Eu que já me tinha deliciado com o artigo (e o seu engenho) [do Rui Tavares, na Blitz, de Novembro], sem concordar com o remate natural para um ateu de que é melhor não existir vida eterna (sou católico, sim), apenas assinalo para debate que o ateu não terá “crença” nem “fé” na sua não-crença. Mas há ateísmos (os -ismos) que se publicam diariamente numa versão crente da sua única verdade, numa versão intolerante das fogueiras inquisitoriais, sem pingo de vontade em dialogar. A minha “falsa certeza”, como escreve o António Figueira [nos comentários a este texto], constrói-se, se calhar, mais de (ou, pelo menos, tantas) dúvidas permanentes que a sua certeza na permanente dúvida.

[comentário deixado ao post de Rui Tavares, que reproduz o seu artigo Na Cova dos Lobos, Blitz, Nov/06]

Em linha

Assine e Divulgue a Petição Contra a Implementação da Experiência Pedagógica TLEBS em http://www.ipetitions.com/petition/contratlebs/tlebs.html

Do aborto, uma história exemplar

«[...] Dizia o colega que esse tipo de utentes - as mulheres - seriam na sua grande maioria pessoas mal formadas de classes desafavorecidas ou adolescentes incautas. E que não seria possível, na era do preservativo e do não-tabu sexual, ser conivente com esse tipo de comportamento imprudente. Seria necessário educá-las, mas nunca à custa de uma morte. [...]» [in Coriscos]

Os globos

Abigail Breslin, de Little Miss Sunshine, à chegada da cerimónia dos Globos de Ouro.

O que vem a seguir não causa bocejo, o que causa é a apresentação em português (inenarrável) do AXN. E a ausência do ano, a comparar com o ano que passou, foi esta.

[Ah: Babel foi o vencedor. Ainda não vi, vou gostar de ver.]

Globos de ouro (ao minuto): fomos ao tapete!


[de cima para baixo, da esquerda para a direita:] Penélope Cruz, Naomi Watts, Rachel Weisz, Salma Hayek, Cate Blanchett, Jessica Biel, Sienna Miller, Kate Winslet, Evangeline Lilly, Teri Hatcher, Eva Longoria, Ali Larter, Emily Blunt, Courtney Cox, Ellen Pompeo, Jennifer Garner, Beyonce Knowles e Vanessa Williams.

15.1.07

Públicos do público

Luís M. Jorge, na sua Vida Breve, traz uma excelente leitura do ocaso do Público, que acaba por desenvolver um texto que ainda tenho em actualização há muito.

Sem pressas nem multidões

Bimby, com muito gosto

A senhora é um êxito, vive do passa palavra, faz desconfiar quem nunca a viu (e ouve as descrições a raiar o fundamentalismo de quem tem uma), mas tem muita utilidade. É a nova coqueluche de conversas de amigos, ultrapassando as banalizadas estantes Billy, do Ikea. O nome pode não ser o mais feliz, nem o preço, mas no fim de contas «a mais pequena cozinha do mundo», Bimby de seu nome, é de facto um objecto a cuidar com desvelo: «Pica, rala, corta, bate, amassa, mói, tritura, pesa, emulsiona e cozinha! E... até cozinha a vapor e lava-se sozinha.» Passe o entusiasmo publicitário. A senhora merece. Que mais podia reivindicar clubes só para si, como o português Clube Bimby. Vão por mim: daqui a uns tempos tudo o que é revista está a falar do robô.

Lamento

A anorexia.

Nota

Tão pouco que é muito

Ontem em Aveiro, na Assembleia de Movimentos pelo Sim, o José Manuel Pureza apresentou-nos este texto sobre o referendo. Como ele mo fez chegar, julgo que não se importará que o ponha aqui. Vale a pena, porque tão pouco, como este meu gesto, pode ser muito.

TÃO POUCO QUE É MUITO
José Manuel Pureza

O que está em jogo no referendo do próximo dia 11 é muito pouco. É só isto: decidirmos se a resposta da sociedade portuguesa às mulheres que escolhem, em consciência, abortar até às 10 semanas deve ser o tribunal e a prisão. Só isto.

Mas tão pouco é afinal muito. Votar SIM neste referendo significa contrapor à solução prisional um compromisso sério para com políticas que garantam o primado da maternidade e da paternidade responsáveis. É aviltante a desfaçatez com que tantos daqueles que querem que a solução prisional se mantenha vêm agora cantar hinos ao acesso das mulheres aos métodos anti-concepcionais. A rigidez sizuda que os leva a serem favoráveis à solução prisional é a mesma que sempre os fez repudiar, apesar de tanto fingimento, os mais básicos métodos anti-concepcionais, incluindo o próprio preservativo. Nós votamos SIM porque nos repugna a concepção da maternidade como uma fatalidade biológica. A maternidade e a paternidade são projectos de transcendente importância afectiva e social para as mulheres e para os homens. Por isso, só podem ser projectos totalmente queridos. Uma gravidez indesejada não é um projecto, é uma pena. Votamos SIM porque encaramos a gravidez como um projecto de amor e de responsabilidade partilhada e só assim a entendemos.

Tão pouco é afinal muito. Votar SIM neste referendo significa contrapor ao fundamentalismo punitivo a prática activa da tolerância como regra mínima da democracia. É tempo, e mais que tempo, de pôr fim a esse buraco negro da democracia em Portugal que é a criminalização de uma parte da sociedade por outra, em nome da moral. Nas democracias não há morais oficiais. Muito menos de raíz confessional. Nas democracias não há direitos clandestinos. Votamos SIM porque não fingimos que não há um conflito de convicções que divide profundamente a sociedade portuguesa. E, porque não fingimos, só temos um dogma: o do respeito pelas convicções íntimas de cada um e cada uma. E nisso somos mesmo intransigentes.

Tão pouco é afinal muito. Votar SIM neste referendo significa, acima de tudo, uma solidariedade densa para com as mulheres que, no quadro de um exercício muito difícil de ponderação, entendem não estar em condições de levar por diante uma gravidez. Votar SIM significa reconhecer a todas as pessoas – mulheres e homens – aquilo que as torna seres adultos: a elementar autonomia de consciência para tomar decisões difíceis. Votar SIM é exprimir uma atitude de confiança nas mulheres e na adultez das suas decisões. Votamos SIM porque queremos que as mulheres que decidem não interromper uma gravidez não desejada o façam sempre por razões de consciência e não por medo de serem presas. Não sei se votar SIM é moderno. Nem me importa. Sei que é solidário e justo. E isso me basta.

Ontem mesmo, um alto dignitário da hierarquia católica disse o que havia para dizer: “a um drama não se responde com outro drama”. Tem toda a razão, Senhor Bispo. É por isso mesmo, por tão pouco que afinal é tudo, que é preciso votar SIM no próximo dia 11 de Fevereiro.


[Outro texto colectivo, também com a participação de JMP, para ler: A interrupção voluntária do diálogo; e uma diatribe antiliberal minha: A clínica do vão de escada.]

14.1.07

Baú litúrgico

Por conhecer

Tamara de Lempicka, Duas amigas (1923)

Hindu rap

Passei a semana a dar-vos música, mas nada nos preparava para mais esta excelente sinfonia a ajudar à construção de novo mito cavaquista: o de vítima.

Fosse o Sócrates, pá...

12.1.07

Wicked Game


Chris Isaak, com Helena Christensen. A escaldar.

O George Michael escreveu-me

Devia ter desconfiado, quando abri a minha conta do gmail e George Michael, ele próprio pensei, me escreveu. Com a entrada, «Happy New Year my dear,» continuei sem desconfiar. Quando o rapaz iniciou a prelenga, só levantei ligeiramente o sobrolho: «I know that you will be surprise reading from unknown person but all I will like you to understand is that, God have already bless you and your entire family in this 2007 through this proposal.» Mas depois a desilusão: «In a brief introduction, my name is George Michael, 26 years old.» Não era ele, nem sombra dos glamorosos anos Wham, nada. O resto confirmou-o: «My intention of contacting you is to help me handle the investment of 12.6 million usd that I inherited from my late father, which he deposited in the bank before his sudden death. Urgently confirm your willingness to help me handle the investment of this money with honesty, without betraying my trust in you.»
O pedido manhoso final, digno de prisões em casas-de-banho públicas, ainda podia repor alguma dose de escândalo, mas já não acreditava que pudesse ser ele, George, o Michael: «I will be waiting for your reply as you finish reading this message with your direct telephone number to enable me call you immediately and furnish you with more details, upon my confirmation of your willingness to assist me.» A fechar, «Best Regards, George Michael». Para ti também, pá.

Piada de bom gosto

Diziam-me amigos espanhóis que de Lepe vinham as anedotas que por cá se contam com alentejanos, para rirmos de nós, sacudindo do capote que aquilo somos nós. Agora, de Lepe chegam-nos outras coisas, como «Una concejal del PP, desnuda "por provocación"». O El País explica: «La responsable de economía del Ayuntamiento de Lepe posa para una revista y participa en un concurso de belleza local». O resultado é este. E candidata-se aqui, também. [descoberta via French Kissin']

Os cegos vêem

«O senhor Guilhermino nasceu cego dos olhos, mas há cegos que vêem muito, e o senhor Guilhermino vê coisas do arco-da-velha há 87 anos, e viu-as e continua a vê-las mesmo quando está de olhos fechados, porque a si, tanto lhe faz, e Deus não dorme, como os cegos, e alguma vantagem lhes teria que dar por levarem a vida sempre às escuras.»

[in (T)ralha, há dois anos sem estar às escuras. Uma boa luz, com Thomas Newman, discreto, a tocar Any other name.]

Fórum

Em fim de noite de comes e bebes, com amigos, uma dúvida muito pertinente foi levantada: onde iam bater melgas e moscas quando não havia lâmpadas?

[Actualizado: já está respondido nos comentários, pelo bom JPT]

11.1.07

Primeira mão

Gloo-gloo-gloo-gle

YouTube, Blogspot, Gmail. Esta tarde, o universo Google parece engasgar-se. Má sorte a nossa.

Baby did a bad bad thing


Chris Isaak, com Laetitia Casta. A ferver.

Mais música

A volta da rádio, um podcast de "brazilian rare grooves", a pedir audição contínua, numa proposta de bom gosto vinda directamente do calçadão.

Tomar nota

«[...] Eu também me sinto triste pelo "estendal" de campanha que a Igreja e alguns movimentos de cariz marcadamente católico estão a fazer. Ele são os velhos panfletos com as imagens de embriões abortados, ele é a imagem de Nª Sra que chora e os terços a rezar, ele são os padres nos ambões a falar dum assunto para o qual não estão preparados, nem se sentem à vontade para tal (pelo menos, os que ouvi) ele é a palavra Vida por todo o lado. Ele é o rotular todos os que votem "não", como os únicos defensores da mesma. Eu, indo votar sim, não me sinto como aniquiladora da Vida. De que é que falamos quando falamos da Vida? É tão abrangente esta discussão. A vida é tanta coisa. Mulheres mortas por violência doméstica, era um bom tema para uma homilia num domingo, ou uma Nota Pastoral. Nunca ouvi nenhuma. [...]»
MC, sobre a nota do cardeal-patriarca.

10.1.07

Notícias fresquinhas

... no local do costume. Onde se dá conta da existência de um outro blogue com nome muito parecido, mas objectivos muito diferentes. Nada se inventa, já se vê.

Louvado seja Deus!

Gostar

do Lat. gustare, saborear

v. int.,
achar bom gosto ou sabor;
sentir prazer;
fig.,
ter afeição, amizade;
simpatizar;
ter propensão;

v. tr.,
experimentar;
provar;
saborear.

[de cada vez que visito outros blogues, bonitas casas de mil cores e feitios e sabores e cheiros, páro neste verbo delicado. por estes dias, há ali uns blogues que não perdem o seu estatuto de KO!, aqueles que me surpreendem todos os dias, mesmo que ali estejam postos há semanas. achei por bem dizer isto.]

Post-it

Com este tempo cinzento, apetece ficar a ouvir as músicas aqui postadas. Lá fora, a chuva.

«Forbidden Colours»


David Sylvian e Ryuichi Sakamoto.

só eu, velho, sou feio e ninguém



[...]
veio a maior cornucópia de mulheres
todas mucosas pra mim
o mar se abriu pelo meio dos prazeres
dunas de ouro e marfim
foi assim, é assim, mas assim é demais também
[...]
Caetano Veloso, Odeio, do álbum «Cê» (2006).

9.1.07

This is Major Tom to Ground Control...


...
I'm stepping through the door
And I'm floating in a most peculiar way
And the stars look very different today

For here
Am I sitting in a tin can
Far above the world
Planet Earth is blue
And there's nothing I can do

Though I'm past one hundred thousand miles
I'm feeling very still
And I think my spaceship knows which way to go
Tell my wife I love her very much she knows"


[David Bowie, Space Oddity, tema de 1972, ano de boa safra como se sabe, nos 60 anos mais um dia do mestre]

A tempo

O tempo. Não há nada que custe mais gerir quando se pensa que se tem todo o tempo do mundo.

8.1.07

Desmantelar as luzes

Há pressa em limpar as ruas dos ecos de Natal. Hoje na Baixa de Lisboa atarefavam-se os homens que retiravam os enfeites angélicos da Rua Augusta ou a árvore publicitária de um banco no Terreiro do Paço. Próximos argumentos para o filme comercial destes dias: os saldos e um tal de Valentim, que insistem em trazer a 14 de Fevereiro.

7.1.07

Tomba-gigantes

Já não pode o cantinho do hooligan ir de férias tranquilamente. Palavra de honra!

Saco de gatos

Palavras de senhores.

6.1.07

[post quase privado de agradecimento público]

«No creo indispensable tomar un sueño por realidad, ni la realidad por locura», Adolfo Bioy Casares. E um muito obrigado ao José Mário.

I'd like to order...


"I'd like to order french fries, a burguer and a milk shake..."

Teaser

Um disco como pretexto para uma conversa sobre humor. Com Maria Rueff, recuperada do baú da memória.

Manhã

Há nevoeiro no rio, ouvem-se os barcos, há folhas caídas na praceta, muitas, que finalmente o varredor limpa, há um sol que espreita tímido. Há manhãs assim.

Ouro, incenso e mitra

Os reis trouxeram os comentários de volta ao E Deus Criou a Mulher. Agora com novo colaborador.

5.1.07

Do exercício da pluralidade

Desejar bom Natal (ortodoxo) à empregada doméstica (russa).

«Diad»

Nas últimas semanas, três pessoas próximas, em conversas casuais comigo, chegaram à conclusão que a revista de economia do Público se chama «Dia D» e não «diad» [ler "diáde"], coisa estranha que não questionavam e associavam a qualquer microrganismo obscuro da Economia. Esta confusão bem pode explicar o insucesso da coisa. E, de caminho, o insucesso de muita coisa "pública".

4.1.07

A clínica do vão de escada

Confundir tudo para pior convencer, eis o que se lê nos argumentos absurdos de António Borges, economista, elevado a salvador da pátria por lentes obscuras: «Se o sim vencer, isso poderá levar a um aumento exponencial e deplorável do número de abortos», afirmou António Borges, durante uma conferência da plataforma "Não Obrigada". Para este economista, «a liberalização do aborto opcional» servirá de solução «para quem encarou com ligeireza o controle da natalidade». Acho espantosas, estas afirmações. Estes senhores ainda não perceberam que a liberalização do aborto já existe: chama-se vão de escada, à razia de umas quantas centenas de euros. O que se pretende é acabar com esta liberalização, tornar clinicamente seguro um acto que não deve ser pago com a cadeia, como prevê a actual lei. Mais: em lado nenhum, a despenalização (é isto que se está a votar!) contribuiu para o «aumento exponencial e deplorável do número de abortos». como afirma. O economista é pouco rigoroso, já se vê.

António Borges diz ainda que fez as contas, tendo como referência que cada aborto custará ao Estado cerca de 650 euros, ou seja, custarão 20 a 30 milhões de euros por ano. «Os custos de 2,3 abortos serão suficientes para pagar uma cirurgia média», diz ainda. Gostava de saber onde foi buscar ele estes números. Mas para um defensor do liberalismo e que acha que o SNS é uma excrescência, não está mal a contabilidade. Para Borges, deve ficar mais barata a economia clandestina ou a ida-para-quem-pode a Badajoz e Madrid. Claro que o Serviço Nacional de Saúde não deve pagar isto aos pobres, aos que não têm possibilidades de atravessar a fronteira. Para eles, qualquer vão de escada serve. Os liberais detestam os pobres.

[Mais sobre o aborto: A interrupção voluntária do diálogo]

Coerências

Sampaio foi atacado por assumir que ia vigiar o Governo Santana-Portas (e bem avisado estava pela incompetência demonstrada) pelos mesmos PSD e CDS que agora salivam com os recadinhos de Cavaco para o Governo Sócrates.

3.1.07

Senhora do Ó

Esta senhora bem posta e gravidérrima foi o nosso postal de Natal. Veio de Marvão, em fim-de-semana de um Agosto aziago, feito por uma artesã que experimenta a alegria nestas coisas quase sempre pesadas da religião. Encher tudo de futuros, apetece.

Toward Eternity

Aya Takano, Toward Eternity Print (2006)

A Aya Takano descobrimo-la numa livraria japonesa em São Francisco (também há em Nova Iorque, junto à 5th Avenue, mas aí não parámos muito). Perdidos no Oriente, literalmente, numa livraria de Japantown, onde os poucos livros em inglês eram quase todos de turismo sobre o país do Sol Nascente, deixámo-nos embevecer pelas ilustrações espantosas desta autora. No fim, devemos ter comprado uns 4 ou 5 livros japoneses, onde a imagem ajuda a descobrir um universo que as letras teimam em não descodificar. Vale a pena viajar assim.