30.6.04

Eleições, claro!*

«Terça-feira, dia em que escrevo, Durão Barroso já foi embora mesmo que esteja por cá. A partir de agora, deixou de poder e de ter a legitimidade para controlar os acontecimentos do seu país. Por muito menos que isto, foi Guterres sacrificado mas, Guterres escolheu a opção moral, o compromisso com o eleitorado. Foi depois da recusa, e na honra desse compromisso, que Guterres falhou.

Faço parte do grupo de pessoas que achava que Barroso nunca aceitaria ir para a Europa, a Europa que o escolheu, li eu nos jornais estrangeiros, como «o mal menor», «o menor denominador comum», e o «José quem?» como dizia o principal jornal alemão (que li em Berlim, assistindo com pasmo aos comentários de todo este episódio visto de fora). Não vislumbro onde está a honra deste convite, que prolonga um projecto de poder pessoal e atira um país em profunda crise social, política económica para o caos.

Dito isto, essa Europa que convida primeiros-ministros em exercício, desrespeitando as ordens políticas internas, enche-me de desconfiança e repulsa. Os cargos políticos de peso não se herdam, conquistam-se. A Europa não deveria convidar políticos no activo, sobretudo aqueles que estão a meio da sua missão. A direita portuguesa ganhou as eleições e tinha pelo menos quatro anos para provar um projecto. Com esta decisão, deitou fora dois anos de trabalho e de sacrifícios dos portugueses, e abandonou-os.

Custa-me a crer que o Presidente da República não decida a favor de eleições antecipadas, porque nenhum Governo, de Santana Lopes ou de outro dirigente do PSD, tem legitimidade moral e política (e, como diria a Sophia de Mello Breyner, a política é um capítulo da moral) para poder governar em paz e firmeza e muito menos para aprovar sérias medidas económicas e financeira ou legislação disciplinadora dos vícios administrativos portugueses. Barroso deixou um trabalho inacabado, e tal como Bush no Iraque, nunca se deve começar nada que não se tenha intenção de acabar.

O povo português teria assim que escolher entre Ferro Rodrigues e Santana Lopes, os dois líderes que os respectivos partidos querem matar, o que torna tudo ainda mais irónico. Porque o PSD não se conseguirá livrar de Santana, tal como o PS não se conseguiu livrar de Ferro, apesar de o tentar matar repetidas vezes e no pior momento. Nos dois partidos, são eles que ganharão congressos extraordinários, e são eles que ficarão. O bloco central acabou, e será também entre a direita e a esquerda que o país terá de escolher.

Barroso não pode querer ser tudo, primeiro-ministro de Portugal em Bruxelas, por procuração e designação sucessória, e presidente da Comissão Europeia. Este Governo acabou, e esta política também. O que vier, será diferente e esperemos que seja para ficar. Portugal não aguenta mais adiamentos nem mais ambições destas. Eu continuo a pensar que o ser. Berlusconi é mais importante que o sr. Prodi. E que Barroso mandou o seu país, e o seu partido, às urtigas. Passe bem.
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Clara Ferreira Alves (antes conhecida por santanete), in Diário Digital, 29-06-2004, 11:13:47.