A apresentar mensagens correspondentes à consulta pinochet ordenadas por relevância. Ordenar por data Mostrar todas as mensagens
A apresentar mensagens correspondentes à consulta pinochet ordenadas por relevância. Ordenar por data Mostrar todas as mensagens

11.9.03

Os 11 de Setembro

Evoquei este dia à minha maneira, sem a eloquência-contundência do Diogo. Pus uma imagem e um poema - apenas de memória. Porque entendo a memória como projecto.

Lembrei esta data, também a partir das lembranças do Filipe. Não assobiei para o ar. Mas perante o obsceno que é o "post" «11 de Setembro» de Pacheco Pereira não resisti a dizer «basta!».

Afirma Pacheco: «Alguém do Público anda a ler os blogues e encontrou aqui a inspiração para fazer uma capa do jornal com uma mensagem política inadmissível: a equivalência do 11 de Setembro de 1973, o golpe de Pinochet, e o 11 de Setembro de 2001, os ataques da Al Qaeda aos EUA. A mera colocação, no mesmo plano de uma capa, das duas datas, ligando acontecimentos de natureza muito diversa, que nada une, cujo significado político actual não é confundível, que remetem para realidades políticas estruturalmente distintas, é todo um programa.
Na TSF, José Manuel Pureza explicou aquilo que a capa do Público diz: tinha sentido associar os dois onze de Setembro pois estes estavam unidos pelo "expansionismo americano". Está tudo esclarecido. É uma forma de pensar próxima do negacionismo do holocausto. E campos de concentração será que houve?»


Pergunto eu: o Chile de Pinochet nunca existiu? Foi uma criação da esquerda? O Público ao tratar jornalisticamente os dois acontecimentos dá destaque aos dois. Não pode? Ou devia optar pela cegonha? Assobiar para o lado e fingir que o Chile de 73 não existiu?

Afirmo ainda: JMPureza não precisa de defesa. Mas é nojento insinuar uma leitura (descontextualizada, como faz PP) próxima do negacionismo, por alguém que há muito reflecte sobre o Direito internacional e que desde sempre não calou a sua voz por causa de Timor (e onde andavas tu, ó Pacheco, quando de Timor?).

Para que se perceba a ideia de JMPureza transcrevo as suas declarações ao PortugalDiário, sobre estes dias 11 de Setembro: «Passados dois anos do 11/9/2001 importa relembrar também o 11/9/1973, dia em que o governo de Unidade Popular, de Salvador Allende, foi derrubado por Pinochet. Nos dois casos há um elemento comum: os EUA. E, nos dois casos, resultou numa limitação e estreitamento na margem de manobra política: os muito bons de um lado e os muito maus do outro. Do pós-11/9 de 2001 destaca-se a adopção, por parte da administração americana, de uma política quase unilateral, com uma arrogância perante as instituições multilaterais. E o que se aviva mais é o tipo de resposta que os EUA puseram em marcha: uma resposta belicosa, que foi muito mal preparada e mal justificada. Neste momento, há uma situação de crise e de impasse no Iraque, mas tem tudo a ver com a radicalização do unilateralismo e com as formas agressivas de agir. A nível de agenda internacional esqueceram-se questões importantes, como o protocolo de Quioto, os oceanos, a biodiversidade e a cooperação com África, e está tudo dominado pela luta contra o terrorismo, sem se saber concretamente o que é isto. Quanto às relações sociais, assiste-se a um certo maniqueísmo e o confronto entre o bem e o mal está legitimado».

Ainda uma sugestão: a escolha de Ivan Nunes para o 11 de Setembro. Longo texto - necessária reflexão.

E mais este parágrafo: «Os novos unilateralistas cometem um erro ao focar a sua atenção muito fortemente apenas no poder militar. É verdade que o poder militar americano - apoiado por um orçamento equivalente ao dos próximos oito países juntos - é essencial para a estabilidade global, e uma parte essencial da resposta ao terrorismo. Mas a metáfora da guerra não nos devia cegar para o facto de que acabar com o terrorismo vai levar anos de cooperação civil paciente e não espectacular com outros países em áreas como a partilha de informação, trabalho policial, vigilância de fluxos financeiros e cooperação entre responsáveis alfandegários.»

Mais uma opinião do "perigoso anti-americano" JMPureza? Não: um texto do americano Joseph S. Nye, hoje no Público. O que se atreveu a tratar jornalisticamente os dois 11 de Setembro.

19.7.05

Dois pesos, duas medidas


Sarwar Zardad e Augusto Pinochet


Aplauda-se: o execrável (o adjectivo é meu) senhor da guerra afegão Sarwar Zardad foi acusado de tortura por um tribunal britânico, conta-nos hoje o Público (sem link). O principal conselheiro jurídico do Governo britânico, Lord Goldsmith, é citado pela AFP como tendo afirmado: «Certos crimes são tão odiosos, constituem uma tal afronta à justiça, que podem ser julgados não importa em que país». E acrescenta James Lewis, membro da acusação: «Achamos que esta é a primeira vez em qualquer país, no direito internacional, e certamente no direito britânico, que crimes de tortura e tomada de reféns são julgados nestas circunstâncias.»

Pena que a mesma Grã-Bretanha que agora toma esta decisão importantíssima se tenha recusado a julgar Augusto Pinochet, o execrável ex-ditador chileno.

10.4.05

Não deixes que a verdade estrague o teu post



Daniel "Barnabé" Oliveira voltou a insistir no encontro do Papa com Pinochet - mas "omitiu" ao melhor estilo outras imagens. E só mostrou a fotografia, esquecendo-se das palavras. Para ele, para os outros, deixo esta breve memória da suas palavras nas passagens pela América Latina, de Ignacio Badal, da agência Reuters (a partir de Santiago do Chile):

«DEMOCRATA, AUNQUE ANTICOMUNISTA
La curia no es dada a admitir el trabajo subterráneo del Papa por la restauración de la democracia en América Latina, una región golpeada por dictaduras de izquierda y derecha que han azotado estas naciones durante buena parte de su pontificado.
Sin embargo, las palabras que usó Juan Pablo II en el mismo territorio de estos hombres fuertes daba cuenta de que su interés por el retorno a la libertad no se quedaba sólo en discursos.
"(El Papa) manifestó, con signos impresionantes y palabras de comprensión y apoyo, su cercanía a los más afligidos y exhortó a recuperar los valores de la democracia y a construir en base a la justicia y el respeto a los derechos de todos," dijo Errázuriz en su alocución al Celam.
Conocedores del Papa, como un ex médico personal y un biógrafo, citados por un historiador chileno, aseguran que un encuentro personal con Augusto Pinochet en su visita a Chile de 1987, Juan Pablo II lo instó a un pronto regreso a la democracia. Al año siguiente se sometió al plebiscito que lo sacó del poder.
Otro ejemplo ocurrió en Argentina, donde impulsó una rápida transición a la democracia con su visita en pleno conflicto de las Malvinas, cuando la derrota era clara.
Un mensaje similar llevó a Paraguay en 1988, un año antes que cayera el dictador Alfredo Stroessner a manos de otro golpe militar que paulatinamente reencaminó el país a la democracia.
A Uruguay llegó a respaldar la naciente democracia en 1987, aunque también perseguía otro fin: reimpulsar a una debilitada iglesia católica en un país de fuerte carga agnóstica.
Mal le fue, en todo caso, con sus gestiones contra los gobiernos izquierdistas, pese a su anticomunismo militante que evidenció en sus recientes memorias publicadas en Roma.
Nicaragua fue un ejemplo. Juan Pablo II llegó en 1983 con un discurso que atacaba directamente al gobierno sandinista de Daniel Ortega, que había derrocado al dictador derechista Anastasio Somoza.
"Intentó desestabilizar la revolución," opinó el ex ministro sandinista y sacerdote Ernesto Cardenal.
No obstante, Ortega se mantuvo en el poder en medio de la guerra civil tras ganar, un año después, los comicios presidenciales.
Y Cuba es aún una asignatura pendiente para el Papa. A pesar de su visita histórica en 1998, que al menos logró una pequeña apertura para la expresión religiosa de los católicos cubanos, no logró su objetivo principal, que era convencer al presidente de la isla caribeña de gobierno comunista, Fidel Castro, de democratizar su país.» [os sublinhados são nossos]

4.3.05

Carta a um Barnabé

[ou Idiotas, parte II - um longo comentário deixado no Barnabé]

Eis um verdadeiro democrata, este Nuno! Como deve ter aprendido no futebol que a melhor defesa era o ataque, defende-se - no Barnabé - misturando o que não é misturável, digno do melhor discurso de um padre Serras Pereira ou de um João César das Neves! Eles misturam alhos com bugalhos, o Nuno responde bugalhos com alhos. Paciência. O Nuno escorregou na casca de banana (um humor nojento - e sim, eu não faço humor com um velho doente, chamado Pinochet! Apenas espero que ele seja julgado e condenado pelos crimes!) e atirou-nos à cara com a nossa intolerância. A dele ficou arrumada numa gaveta qualquer...

Sim, o Papa errou várias vezes, Nuno. Mas gostava de saber a tua opinião, quando o mesmo Papa, contra a opinião de sectores conservadores da Igreja, visitou outro velho e doente, Fidel, de seu nome (sim, e eu também não gostei quando alguma gente parodiou/gozou a queda que ele deu há uns tempos!) e o chamou à pedra pela violação dos direitos humanos. Como fez em relação ao Chile, em mais do que um discurso e iniciativas diplomáticas. Como fez em relação a outros territórios (mesmo em Timor, depois de uma visita ambígua, em que parecia deixar para trás os anos de esforço da Igreja timorense, João Paulo II referiu-se por mais de uma vez à necessidade de referendar a autodeterminação e foi uma voz fundamental na condenação dos ataques das milícias pró-indonésias, a seguir ao referendo).

Sim, o Papa erra, quando insiste num discurso moralizador que confunde mais do que ajuda. Escrevi aqui, antes da tua piada reles: «O Papa mistura temas que não se comparam. Eutanásia, aborto, preservativo, por exemplo, lêem-se demasiadas vezes no mesmo parágrafo. Agora, o aborto e o Holocausto surgem no mesmo plano, levantando um coro de protestos. E com razão. Não pelo que se escreve no livro de João Paulo II (lendo bem, não há uma comparação "absoluta" aborto=Holocausto), mas pela forma confusa (intencional?) como se aborda os limites das leis. E, em vez de se reflectir seriamente sobre estes temas, acabamos por estar a discutir o acessório ou a defender e atacar semânticas.»

Lendo melhor, podia adaptar este post ao Nuno do Barnabé: «O Nuno mistura temas que não se comparam. Doença, velhice, poder, miséria, dor e mediatismo, por exemplo, lêem-se demasiadas vezes no mesmo parágrafo. Agora, o Chile de Pinochet e Serras Pereira surgem no mesmo plano. E, em vez de se reflectir seriamente sobre estes temas, acabamos por estar a discutir o acessório ou a defender e atacar semânticas.»

Neste caso, queres sublinhar uma alegada conivência deste Papa com regimes ditatoriais, mas esqueces a importância que ele teve na denúncia do comunismo e das ditaduras do Leste Europeu (ou não eram ditaduras?), mas também na denúncia do capitalismo, de um mercado que só pensava no «ter» e esquecia o «ser» (em 1980, e depois repetiu-o por várias vezes).

Mais: este Papa sempre deu jeito a muitos, que o atacam por causa da moral sexual, quando ele se colocou contra as guerras do Iraque (em 1991 e 2004).

Agora que vais descansar por uns dias, era bom que pudesses voltar, sem espingardar "à Serras Pereira ou César das Neves". Separando os assuntos, e reconhecendo: mandei uma boca infeliz. Quanto ao resto - o discurso com que procuraste justificar o injustificável, é matéria para séria discórdia. E debate. E que é diferente daquela piada. Muito diferente.

27.1.08

Suharto

Morre Suharto e o único lamento é o facínora nunca se ter encontrado com a Justiça. Tal como Pinochet.

12.12.06

É, não era?

Para a direita, Fidel é o bombo e a esquerda que se embevece nas barbas do comandante a festa de escárnio e maldizer. Mas, na hora da morte, a direita afinal extasia-se, elogia, exulta ou, pelo menos, desculpabiliza Pinochet. Julgava que os ditadores eram maus, ponto final. Afinal não. Na hora da morte, caem as máscaras e a direita revela que também tem os seus fraquinhos. Um ditador é um ditador, sempre mau, é não era?

11.12.06

10.12.06

Morto sem arrependimento

O execrável ditador Augusto Pinochet, responsável por mais de três mil mortos, muitos desaparecidos e milhares de torturados, morreu hoje. Na hora da morte, um único lamento: o de nunca ter sido julgado e condenado pelos crimes. Mas a memória não prescreve.

6.12.06

Os ratos fogem sempre

«Augusto Pinochet está praticamente recuperado após ter alegadamente sofrido um enfarte do miocárdio há apenas três dias. Médicos e família desmentem ter encenado a doença do antigo líder militar chileno para fugir à justiça.» Claro, claro... E há quem acredite no Pai Natal.

4.12.06

Extremadinho

Parece que Pinochet está a morrer e já terá recebido a extrema-unção. Muito extremosos são estes ditadores na hora da morte, que nunca se arrependem de nada e fizeram da vida dos outros uma vida sem liberdade e só souberam fomentar a morte. Há coisas que, agora, seremos nós a não lamentar.

30.10.06

[dar um jeito]

Lula ganhou e terá de mudar, Pinochet está sob prisão domiciliária e Berlusconi vai ser julgado por corrupção. Há dias que isto até parece ter conserto.

23.8.06

Opiniões

"Sou um democrata, respeito as opiniões." Não é preciso pensarmos em Pinochet ou Fidel, para no nosso quotidiano encontrarmos pequenos ditadorzinhos. A diferença é que estes só não torturam ou fuzilam.

16.1.06

Eu também nunca votei Soares

Há quatro meses que não postava e não há fome que não dê em fartura!

Vistas de Bruxelas, a campanha eleitoral e as eleições presidenciais que se aproximam, parecem, ainda assim, muito distantes... Mas, vá lá, vou fazer um esforço.

Eu também nunca votei Soares: em 1986 e 1991 era demasiado novo para essas coisas. Se pudesse ter votado e soubesse o que sei hoje, em 1986 também teria votado em Maria de Lourdes Pintasilgo. Mas como não sabia o que sei hoje, talvez tivesse votado em Mário Soares logo à primeira volta. Em 1991, teria certamente votado Mário Soares, até porque não havia alternativa.

Em 1996 e em 2001, votei em Jorge Sampaio. Apesar da alegria provocada pela derrota de Cavaco Silva, a verdade é que Jorge Sampaio foi sempre uma desilusão e, a mim, não vai deixar saudades.

Em 2006 também não vou votar Soares. Bom, na verdade o que se passa é que não vou votar... Isto de ser emigrante tem os seus problemas... mas isso são contas de outro rosário... a questão que me traz aqui hoje é a de saber se votaria Soares...

Provavelmente não.

Apesar de todas as qualidades que reconheço a Mário Soares, que é um político que admiro, a verdade é que já não me convence... e digo isto com alguma tristeza, confesso... provavelmente votaria, como muitos outros socialistas, em Manuel Alegre.

Não é que Manuel Alegre me convença muito mais... mas, ainda assim, é o candidato que mais parece aproximar-se dos princípios e das ideias com que me identifico.

Seja como for, parece óbvio que já nada poderá evitar a vitória de Cavaco Silva à primeira volta. Esta eventualidade deixa-me triste... mas, em vez de procurar responsáveis e culpados, o que me parece mais importante, se isso se concretizar, é que a esquerda e, sobretudo, o PS faça a sua auto-crítica e procure avaliar, sem preconceitos, o que correu mal.

E o que correu mal não foi tanto o facto de haver dois candidatos saídos do PS ou tantos candidatos da esquerda; o que correu mal foi o PS e/ou a esquerda não ter sido capaz de apresentar um candidato vencedor. Isso é que é preocupante: a incapacidade para encontrar alguém que seja capaz de se bater de igual para igual com um desajeitado e nada carismático Cavaco Silva.

Mas também vale a pena pensar porque é que num país como Portugal, onde ainda resta tanto por fazer, a maioria do eleitorado continua a preferir a rigidez e a tecnocracia aos valores da Democracia e dos Direitos Humanos; porque é que num país como Portugal, onde vive um povo que tanto merece, o eleitorado continua a preferir as leis da economia neoliberal aos valores enriquecedores da Liberdade, da Justiça e da Solidariedade; porque é que num país como Portugal, cuja história permite retirar tantas lições, o eleitorado continua a preferir o centrismo estagnante à natureza transformadora do Socialismo Democrático.

Deixo as respostas para quem as tenha... eu, por cá, vou continuar a festejar a maravilhosa vitória de Michelle Bachelet no país que, num malfadado 11 de Setembro, foi sequestrado por Pinochet. Porque é preciso continuar a acreditar que a História nunca pode ser travada!

16.10.04

Quem vai à guerra...

[ou pode um cristão defender a guerra?]

Os comentários pertinentes de David, ao meu "post" sobre os algozes que decapitaram um refém no Iraque, obrigam-me a uma reflexão mais prolongada sobre o assunto.

Escreve-nos David (que assume a sua condição de cristão para também rebater os meus pontos de vista), que não consegue «em consciência descartar a possibilidade da guerra, da violência, como resolução extrema para algumas situações». E exemplifica com a II Guerra Mundial.

O argumentário da II Guerra Mundial foi usado à exaustão, no início desta segunda guerra do Golfo, por Bush e muitos dos seus seguidores, incluindo portugueses que imputaram quase exclusivamente a vitória contra a Alemanha nazi de Hitler aos Estados Unidos da América, omitindo ou desmerecendo da resistência organizada por toda a Europa e do contributo de todos os Aliados. Do que não temos dúvidas, é que Saddam não era Hitler, nem a liberdade do mundo estava em perigo, como em 1939.

Mas - e o que me interessa aqui, neste caso concreto do Iraque - é que a situação que se vivia ali não obrigava à «resolução extrema» da guerra. A ONU continuava a exercer a sua inspecção do possível armamento e a diplomacia - incluindo a vaticana - tentava a todo o custo "dobrar" Saddam. Não se tentou tudo, não se esgotaram todas as armas do diálogo e a invasão fez-se sob a capa de uma grosseira mentira e de uma impreparação negligente sobre o futuro do país.

Medir "sanguinários" não é um exercício numérico, como também agora alguns gostam de fazer. "Ele matou mais, ele matou menos" é o debate que não interessa. Qualquer pessoa que morra pelas suas convicções, por ser livre, às mãos de um qualquer ditador deve merecer a nossa luta. E a nossa vontade de combater esse ditador. Seja no Iraque de Saddam (quando foram chacinadas populações curdas, sem que a América ou o Ocidente gritasse a necessidade de o apear), seja no Chile de Pinochet ou na Argentina de Varela. Seja na União Soviética de Estaline ou no Cambodja de Pol Pot. No Portugal de Salazar ou na Espanha de Franco. Mas para combater cada uma destas situações, há hoje outras soluções que não a guerra.

Era então possível outro cenário? Era. E ao argumentário da guerra apetece opor outros exemplos, posteriores à II Guerra Mundial, que mostram que o mundo experimentou novos caminhos para a resolução de conflitos: a não-violência de Mahatma Gandhi ou Martin Luther King, a revolução de veludo no Leste europeu ou a revolução do arco-íris de Mandela. E, numa escala diferente, a auto-determinação e independência de Timor-Leste, apesar da orgia de violência das tropas e milícias indonésias.

«A Lei aparece exactamente para terminar com a vingança pessoal», escreve-nos o David. Concordo. Mas aparece também para ser respeitada - e, neste caso do Iraque, Bush não o fez. Como não o fazem os algozes que todos os dias se fazem explodir em Bagdad ou Telavive, ou aqueles que decapitam reféns no Iraque ou ainda os outros que demolem casas e atacam bairros com mísseis teleguiados nos territórios ocupados por Israel.

Discordo apenas da leitura de que o "olho por olho" é a Lei, porventura demasiado dura, e de que Jesus não revogou algumas leis. Julgo que revogou, sim: dando outro sentido ao sábado ou dizendo que agora havia um mandamento novo.

Volto a insistir: «com clareza» definimos os agentes do Mal. E não os podemos deixar «impunes», nem «esquecer a Lei». «Profundamente imoral» parece-me fazer o jogo deles: entrar na espiral de violência que eles desejam para se afirmarem como vítimas e libertadores. Nunca podemos ficar pelas intenções. Mas à sombra destes "extremos" também se pratica(ra)m muitos e muitos crimes. Profundamente imorais (como Abu Ghraib ou Guantanamo).

Já aqui escrevi (em Maio): «De uma ditadura ou dos seus algozes, espera-se (quase) tudo. Mesmo um acto bárbaro e inqualificável, como a decapitação de um homem inocente... De uma democracia e dos seus representantes, espera-se outra coisa: o respeito pela liberdade, pelos direitos humanos e pelo direito internacional. Não faço comparações entre terroristas e as forças ocidentais que estão no Iraque, mas - num plano de legítimas expectativas - os actos de tortura dos soldados americanos ou a existência de Guantanamo tornam-se mais "censuráveis" que a decapitação daquele inocente americano. A guerra deve transfigurar as democracias. Por isso, a paz é o caminho. De mãos limpas.»

E os crentes - cristãos, judeus, muçulmanos, budistas,... - deviam estar sempre prontos a servir este outro caminho.

31.5.04

Relativismos morais (ou «pôr a leitura de blogues em dia» - I)

Li no Barnabé, um comentário do Daniel, a defender a colocação de uma foto do Papa com Pinochet, num "post" seu, agora que o execrável ditador chileno perdeu a imunidade: «Que os ditadores não são uma catástrofe que cai do céu. Há sempre quem lhes dê uma mão. Por vezes, os mesmos que hoje se horrorizam com o "relativismo moral"».

Concordo a 100 por cento (comentei também eu - e deixei algumas questões, porque às vezes me irrita o mundo a preto e branco que o Barnabé desenha). Gostava de saber onde colocar a foto do enviado do Papa a Bagdad e Washington para tentar evitar a guerra, antes de ela ter começado, e os muitos discursos deste Papa contra esta guerra, e que tanto jeito deram na altura ao Bloco de Esquerda, para confrontar a "santa aliança" Durão-Portas? Gostava de saber onde colocar (desde o início da década de 80) os discursos deste Papa contra o capitalismo sem regras, neoliberal e selvagem? Os relativismos morais ficam bem em qualquer lado.

14.9.03

Ainda o 11/9

Há mais ou menos 15 anos, sem terrorismo, chocaram dois comboios em Alcafache. Foi A tragédia de Portugal, antes dessa chamada Entre-os-Rios e logo depois de Camarate. Ali, o povo justo saiu às ruas para ajudar. Era um país saído do PREC, com resquícios de Arnaldo de Matos ainda nas cabeças.
Esse é o nosso 11/9.

Quanto à polémica Chile/NY, não são de todos comparáveis. O Chile é comparável ao Noriega, ao apoio subterrâneo dos EUA ao Hammas. Mas o 11/9 das torres gémeas é algo de dantesco, algo de insane. Os outros são a política pura e dura dos gabinetes de Kissinger, da NSA, o Eisenhower,do Nixon e do Reagan - sim, não gosto dos neo-liberais republicanos nem dos maluquinhos do domínio do mundo.

Há mais 11/9, espalhados pelo calendário: Timor, Ruanda, Somália, Eritreia, Tchetchénia... 11/9 que não são o ataque ignaro a dois prédios com aviões cheios de combustível e inocentes. Em suma: Pinochet e Allende são duas faces da mesma moeda, o poder. Gosto de um, abomino o outro. Mas o mundo nada tem de linear e joga-se num tabuleiro sórdido de poderes corruptos e com preços marcados.

A quem não leu, um livrinho: «O Homem do Castelo Alto», de Phillip K. Dick. Numa linha: e se Hitler tivesse ganho a guerra?

Teria sido certamente num 11/9 qualquer.

12.9.03

O fatídico 11 de Setembro

Depois do golpe de estado de Pinochet ter marcado o calendário de 1973 (não vi o documentário que a RTP anunciou, mas vi dois que o Canal História emitiu ontem) e do ataque terrorista da Al-Qaeda ter assinalado o de 2001, o dia 11 de Setembro de 2003 ficará marcado por outros dois factos tristes e de consequências imprevisí­veis.

O primeiro, anunciado logo de manhã, foi a morte de Anna Lindh. Não a conheci pessoalmente, mas tenho uma amiga que trabalhou muito próxima dela, no partido social-democrata sueco e que sempre se referia a ela com enorme entusiasmo e esperança no futuro. Daquilo que sei, a descrição que Isabel Arriaga e Cunha faz dela no Público de hoje é extremamente fiel à realidade: «aliança da simplicidade escandinava com uma sensibilidade muito feminina e uma forte personalidade».

Anna Lindh seguiu desde cedo as passadas de Olof Palme, outro polí­tico sueco assassinado nas ruas de Estocolmo, num momento de descontracção pessoal. Anna Lindh e Olof Palme, para além da morte, tinham em comum o amor à liberdade, à igualdade e à solidariedade. Agora partilham também o facto de terem sido injustamente castigados e juntam-se a tantos outros mártires como, por exemplo, Rabin.

Anna e Olof eram figuras de proa daquilo a que se convencionou chamar "o socialismo democrático europeu", modelos a seguir para muitos que, como eu, acreditam que é possí­vel conciliar o ideal da solidariedade com a democracia liberal.

Anna Lindh criticou duramente George W. Bush e a sua administração pela estratégia escolhida para encarar o problema iraquiano. Mas, ao contrário do que escreveu Bettencourt Resendes na edição de ontem do DN, nunca se deixou «embalar nas ondas de antiamericanismo que servem os propósitos do fundamentalismo islâmico». A prova disso mesmo é o elogio rasgado que ontem lhe foi feito por Colin Powell.

(Será preciso ser estúpido para ser director de um diário de referência em Portugal?!)

Mas como se não chegasse o horror da notí­cia da morte de Anna Lindh, ficámos também ontem a saber que o governo israelita decidiu assumir o princí­pio do afastamento de Yasir Arafat... o que poderá querer dizer expulsão, detenção ou assassinato do lí­der palestiniano.

Há quem ache que se trata apenas de uma manobra de Sharon para pressionar Arafat um pouco mais. Eu gostava, mas não acredito. Estou convencido que a intenção do governo israelita é mesmo expulsar Arafat. Desde há quase três anos tem sido esta a estratégia de Israel: alimentar a espiral de violência palestiniana, pois esta dá-lhe legitimidade (aos olhos de alguns) para continuar a exercer a sua própria violência.

Não é preciso ser adivinho para perceber que este anúncio do governo israelita vai provocar mais atentados suicidas em Israel e que, por isso, é mais uma acha para a fogueira em que ardem há tanto tempo os civis israelitas e palestinianos. Mas esses novos atentados serão úteis à estratégia de Sharon, já que lhe permitirão aquilo que não lhe permitiram há 20 anos quando liderou a invasão do Lí­bano: ver-se livre de Arafat.

Porquê? Para quê? Sinceramente não sei... independentemente das culpas que Arafat tem no cartório, não será a sua morte que levará finalmente à paz desejada.

No entanto, como temos de continuar a lutar por um modelo civilizacional assente no respeito pela lei e pelos direitos dos indví­duos e que tem como expressão de governo a democracia liberal, não podemos tolerar este acto: nenhum governo tem o direito de expulsar o líder eleito de um povo da capital do território que governa.

Da mesma forma que Saddam Hussein não tinha o direito de invadir e ocupar o Kuwait, da mesma forma que George W. Bush não tinha o direito de invadir e ocupar o Iraque, Ariel Sharon não tem o direito de invadir e ocupar a Faixa de Gaza. A ONU e a comunidade internacional não podem ficar caladas!

Não dá pra tirar o 11 de Setembro do calendário dos próximos anos?!...