Por causa de uns cartoons, houve quem sublinhasse a superioridade da civilização europeia e ocidental. Nestas alturas, começo à procura de exemplos dessa superioridade — são muitos dizem-me e quase me convenço: o tratamento às mulheres, a perseguição política e religiosa, as ditaduras, a pobreza classista. Mas será assim? Recordo-me de um filme, "Al-Massir" (O Destino), que já, em 1997, nos colocava questões de hoje, de amanhã, a partir do confronto de ideias entre moderados e radicais nos califados andaluzes do... século XII. Já então o confronto de civilizações, com guerras e superioridades, se desenhava nos céus da Europa.
Deixem-me blasfemar: Bach, Johann Sebastian, é tido como o compositor de todos os tempos. Mas quando escuto o seu "Prélude de la Partita pur Violon nº 3" precedido de "Pepa Nzac Gnon Ma", vacilo. Estou a meter no mesmo saco, Bach e um tema tradicional gabonês, interpretado po elugu Ayong?! Pois, estou. Na música, descobrimos, desarmados perante o Belo, que é impossível ser-se superior: Bach desenha uma melodia que se entrelaça na perfeição com os sons da selva africana: vozes, percussões, violoncelo, música, beleza. Sem concessões, Bach e a dança do povo Fang, do Norte do Gabão, derrotam os discursos das falsas superioridades civilizacionais.
Este é um exemplo, de outros, que se escutam no álbum "Lambarena — Bach to Africa" (edição de 1995, que agora volta a ser publicitada, sem motivo aparente), onde se recorda o espírito de Albert Schweitzer, médico alemão que viveu e trabalhou no Gabão, no coração de África, um apaixonado de Bach. Diz-se na contracapa: "Pela exaltação, a regra encontra o ritmo. Pela exaltação, o ritmo encontra a regra. Em Lambaréné, Albert Schweitzer realizou o encontro da Europa e de África
pela música."
Blasfemo, para puristas de música clássica — e do politicamente correcto destes dias: o que neste disco se desenha não é da superioridade das civilizações. É da superioridade da alteridade, da descoberta do Outro, a vitória da civilização do Amor. Mas isto não é música que se queira para estes dias.
[publicado hoje originalmente na Terra da Alegria]
Deixem-me blasfemar: Bach, Johann Sebastian, é tido como o compositor de todos os tempos. Mas quando escuto o seu "Prélude de la Partita pur Violon nº 3" precedido de "Pepa Nzac Gnon Ma", vacilo. Estou a meter no mesmo saco, Bach e um tema tradicional gabonês, interpretado po elugu Ayong?! Pois, estou. Na música, descobrimos, desarmados perante o Belo, que é impossível ser-se superior: Bach desenha uma melodia que se entrelaça na perfeição com os sons da selva africana: vozes, percussões, violoncelo, música, beleza. Sem concessões, Bach e a dança do povo Fang, do Norte do Gabão, derrotam os discursos das falsas superioridades civilizacionais.
Este é um exemplo, de outros, que se escutam no álbum "Lambarena — Bach to Africa" (edição de 1995, que agora volta a ser publicitada, sem motivo aparente), onde se recorda o espírito de Albert Schweitzer, médico alemão que viveu e trabalhou no Gabão, no coração de África, um apaixonado de Bach. Diz-se na contracapa: "Pela exaltação, a regra encontra o ritmo. Pela exaltação, o ritmo encontra a regra. Em Lambaréné, Albert Schweitzer realizou o encontro da Europa e de África
pela música."
Blasfemo, para puristas de música clássica — e do politicamente correcto destes dias: o que neste disco se desenha não é da superioridade das civilizações. É da superioridade da alteridade, da descoberta do Outro, a vitória da civilização do Amor. Mas isto não é música que se queira para estes dias.
[publicado hoje originalmente na Terra da Alegria]