As premissas de uma paz duradoura são caminhos possíveis para um mundo sem a sombra da guerra: a honestidade na informação, a equidade dos sistemas jurídicos e a transparência nos mecanismos democráticos. E nunca quebrar compromissos assumidos, como se passou com o Protocolo do Quioto e com a reconstrução do Afeganistão, ou não avançar para guerras assentes na metira. Quando esses compromissos são com países pobres, a exigência deve ser ainda maior. Quando as mentiras visam uma "parte" do mundo, o cuidado deve ser outro.
Tudo isto contraria o discurso pós-11 de Setembro, que em nome de uma alegada liberdade, instalou uma mentalidade securitária e desconfiada e uma militarização global da política. Os últimos exemplos patéticos foram uma catástrofe ambiental "combatida" por um ministro da Defesa, falando dos avanços e recuos das forças inimigas - as manchas de fuelóleo, no caso - e, agora, o mesmo ministro a ensaiar uma batalha naval na costa portuguesa, contra um barco dito do aborto.
À arrogância da potência, do «quero, posso e mando», não se pode contrapor (e aplaudir, mesmo que por omissão de condenação) a arrogância do terrorismo, igualmente intolerante para com o Outro e injustificável, que ataca cegamente e mata indiscriminadamente - basta recordar a lista das nacionalidades dos mortos no World Trade Center.
Entre estes dois pólos de extremos, há possibilidades de paz, sementes para a paz. Como os movimentos globais de cidadania, expurgados de quem deles se aproveita para instalar a lógica da violência. Como projectos que procuram respeitar o Outro, como sejam o comércio justo, a economia de comunhão ou o microcrédito/direito ao crédito.
E entre estes dois pólos de extremos, há possibilidades de diálogo, sem medo de recuperar esta palavra, que é porventura um dos mais importantes legados de António Guterres. E, ao contrário do que possa parecer, não é pequeno este legado. Basta olhar para a política governamental nos últimos dois anos.