19.4.04

De um lado para o outro na cidade

Ao Liceu Camões, uma placa limpa e discreta grita a quem passa, «edifício acabado de construir pela Ditadura Nacional. Ano de 1928». No elevador do Lavra, monumento nacional, que faz hoje 120 anos, os grafittis pintam o outrora amarelo da Carris (que não se lembrou ou não quis celebrar a data).

No Largo da Estefânia, 11 pessoas entretêm-se a preparar a nova fonte em volta da sua estátua. Engenheiros, doutores, assistentes, assessoras, técnicos, operários, em alegre convívio, entre telemóveis, pastinhas reluzentes, todos atrás uns dos outros. 11 pessoas. Deve vir aí inauguração a preceito.

Nos subterrâneos, descubro que o metropolitano está «com perturbações». Subo à superfície.

Visito o «edifício Marconi», com placa reluzente a anunciar inauguração em 1992, «por sua excelência», blá-blá-blá, o ministro «Ferreira do Amaral». Aquela fealdade que se atravessa aos olhos: um amarelo-dourado piroso em branco outrora imaculado. Os intelectuais da cidade costumam desdenhar de casas assim nas aldeias.

Transporto-me com dois sacos de plástico e uma pasta pesada de computador. De um dos sacos espreitam DVDs e livros. No outro, cheira a folar da Páscoa (único, irrepetível, escusam de procurar) e a crepes. Tal e qual! Se a cultura cheirasse naquele autocarro, julgo que seria amaldiçoado.