4.5.07

Invejosos

Sento-me ao seu lado no autocarro e torno-me interlocutor. Sem o saber, com direito a palmadinhas no braço, como os amigos fazem para chamar a atenção. O discurso não tem contexto, nem é servido com fio à meada. "São uns invejosos, todos. O Sampaio estava com o superior, quer dizer o patriarca, é superior é, é o superior de Deus, o patriarca, ele é que manda, ele é o representante de Deus na terra." Seja. E continua: "E depois uma pessoa anda arranjadinha, compra uma camisa a um euro, uma saia a cinco, e o Sampaio ao lado do outro não diz nada. Um invejoso, ele também é invejoso." A conversa continua, arrisco um sorriso, um pois a entrecortar o quase monólogo. O autocarro pára, ela quer sair, mas continua a explicar-me em detalhe a tese. Quando o motorista arranca, pede para sair, páre senhor, páre. Todos comentam, riem, gozam, protestam: "Põe-se na conversa e é isto." Ela tem razão: são todos uns invejosos. E apressados. Ninguém quer ouvir histórias.