11.6.06

O fado como pretexto em noite de sereias

Ulisses enfrentando as sereias. Óleo de Herbert James Draper.

Diz a lenda que Ulisses chegou à foz do Tejo. A noite de sábado quase que o confirmava: se no rio ainda morassem marinheiros, teriam ouvido encantos de sereia. Pelo Castelo de São Jorge, passou uma princesa, na voz e na emoção que pôs no seu regresso a Lisboa. Cristina Branco, que começou no fado na Holanda e, desde então, aventurou-se por outras águas até aportar em “Ulisses”, o seu último trabalho de originais, onde por vezes aquilo que se ouve se parece fado. Ali, por entre as sombras das árvores, num cenário deslumbrante (a cidade aos pés da colina), Cristina Branco deixou ainda várias dedicatórias a Lisboa, “mulher apaixonada”, e a Portugal, no dia de Camões.
Mas o castelo que foi dos mouros deixou-se a seguir invadir pela magia cinéfila de Rodrigo Leão. O pretexto também foi o fado, em mais uma noite da “Festa do Fado”, promovida pela Câmara Municipal de Lisboa, integrada nas festas da cidade. E quase que se ficciona uma banda sonora de um filme mudo, por entre os labirintos das escadas e becos de Alfama. Também se podem ouvir aquelas músicas por entre barcos de um porto mediterrânico — e Ulisses volta a espreitar das águas iluminadas do rio Tejo.
Sem as vozes femininas de “Alma Mater” e “Cinema”, o compositor e músico apresentou-se acompanhado por uma outra voz singular, a de Ana Vieira. Outro encanto.
Com o pretexto do encontro, Rodrigo Leão chamou ao palco Cristina Branco para a interpretação de “Redondo Vocábulo”, de José Afonso, e “Mudar”, um seu inédito de que ali ganhou voz.
Na noite, “Hoje o céu está mais azul,/ Eu sinto/Fecho os olhos, mesmo/assim/Eu sinto/O meu corpo estremecer/Não consigo adormecer”. Há viagens únicas. Ulisses chegou a Lisboa.


Rodrigo Leão e Cristina Branco

[texto no METRO desta segunda-feira]