17.11.03

Impressões de quinze dias longe disto

Saí porta fora e quando voltei a casa encontrei tudo mais ou menos na mesma. Muito desarrumado, portanto. As manchetes dos jornais voltaram a falar do mundo, mas só porque dois jornalistas cá do burgo se meteram em trabalhos. Antes disso, numa rápida volta pelas gordas de jornais já amarelecidos e da leitura fora de tempo de blogues descobri um umbigo animado com um casal de suposto jet-set apanhado com jóias não declaradas, uma actriz que vomitou o camarão estragado e foi tornada em fenómeno paranormal, a adequada resposta para-católica de duas estátuas que lacrimejam e curam, a provedora da Casa Pia que elogiou processos sumários dos tempos absolutistas de D. Miguel e a expulsão dos infiéis de hoje (pedófilos, who else?) para paragens exóticas que lá as criancinhas podem ser abusadas pois então, o aniversário de Cunhal que recebe cada vez mais encómios da mesma direita que critica a esquerda por eventualmente se subjugar perante Fidel, a inauguração contínua de estádios apadrinhadas pelo regime de agora esquecendo as críticas de ocasião quando assumiram o poder e os beija-mão a sua santidade o papa do norte transformados em caso nacional, a assobiadela dos bispos às vaias dos benfiquistas (serão sportinguistas? portistas? beiramarenses?) ao senhor primeiro-ministro, quando não ouvi idêntica reprimenda à assobiadela tenística com que o então primeiro-Guterres foi presenteado (o ténis é coisa de finos? ou os bispos não vêem aquele desporto?), as cidades que continuam a ser pensadas ao acaso com parques mayers pagos a peso de Gehry e torres quase aprovadas só porque são do Siza e um túnel que até "vai servir para alguma coisa" como diz o presidente da autarquia de Lisboa.

Uff! Respiremos. Deixo quatro sugestões. Atrasadas, mas que merecem a leitura - e reflexão: um retrato sobre a vida religiosa (dito assim, "simplisticamente") de Luís Osório, no DNa, de 8 de Novembro, sábado; um texto que procurou descobrir o melhor da pior escola do país, como assinalaram as estatísticas frias do Ministério, assinado pela excelente Sónia Morais Santos, também no DNa, mas deste último sábado, 15 de Novembro; a reportagem ontem, domingo, na Pública sobre a excisão, de Sofia Branco (já premiada por outra reportagem sobre o mesmo tema) e, por fim, o ódio de estimação de algumas lojas e botequins, Miguel Sousa Tavares, com nova leitura pertinente sobre o Iraque e a ida da GNR.

[Torno este "post" maior e cito parte de MST, porque o texto desaparece dentro de dias]
«[...] não sou contra o envolvimento de forças portuguesas além-fronteiras, onde e quando a intervenção for legítima e estiver em causa a segurança colectiva do mundo em que nos integramos ou a salvaguarda de direitos fundamentais violados de forma sistemática e intolerável. Com uma condição adicional: que a intervenção militar não seja um fim em si mesma, mas um meio para atingir uma solução política. Por isso, fui a favor de uma intervenção séria, ao lado dos Estados Unidos, na primeira Guerra do Iraque, onde se tratava, de expulsar Saddam do Kuwait e evitar que, de seguida, deitasse mão ao petróleo do Médio Oriente e iniciasse um processo de chantagem sobre o Ocidente (curiosamente, um governo de que Durão Barroso fazia parte reduziu esse apoio à coligação internacional a uma ajuda menos que simbólica e quase na fronteira da cobardia). Por isso, fui a favor da intervenção na Bósnia, onde uma guerra civil étnica de uma desumanidade impensável na Europa de hoje era uma ofensa intolerável à consciência de todos nós.

Por isso mesmo, também, fui contra a intervenção no Kosovo, que não tinha - como não tem até hoje - "follow-up" político que deixe prever o fim da presença militar internacional e que só foi levada a cabo porque os Estados Unidos queriam bombardear Belgrado e Milosevic e, de caminho, livrarem-se de toda uma geração de armas em final de período de validade.
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